John Watson, o pioneiro do behaviorismo, e que mais tarde abandonou a carreira universitária para ser um bem sucedido publicitário, afirmou certa vez que se lhe dessem alguns bebês ele os transformaria em advogados, pessoas famosas, pedintes ou ladrões, pois poderia condicioná-los da maneira que quisesse. De fato, nem todos se dão conta do quanto são manipulados e condicionados pelos meios de comunicação social, particularmente a TV. Com a propaganda, o telespectador pode ser levado a consumir inúmeros produtos. Somos condicionados a uma vida voltada ao consumo e à satisfação básica de nossa animalidade: comer, beber; vestir, ter luxo e conforto etc.
A TV equivale a uma vitrine, não só pela gama de produtos de consumo que oferece, mas em especial enquanto meio de controle ideológico por parte de grupos econômicos e do próprio governo representativo da elite dominante. Fazendo inadvertidamente o jogo dessa ideologia, os pais percebem-se como bons ou amorosos com seus filhos ao procurar dar-lhes tudo materialmente.
As pessoas de parcos recursos financeiros, evidentemente, igualmente são solicitadas a consumir. E não podendo fazê-lo, embora estimuladas pelo jogo ideológico, sentem-se falidas ou desvalorizadas, tanto no que se refere à sua capacidade de consumo quanto ao desejo de possuir. Nesses casos, qualquer objeto que sugira ou dê um mínimo prazer é visto como indispensável.
As crianças e os jovens são os alvos preferidos na criação de novas necessidades pela mídia. Incapazes de entender o significado da TV e o propósito da propaganda, passam a desejar tudo o que lhes é apresentado, crescendo assim hipersensíveis ao prazer. É o que Lorenz denomina de neofilia: afinidade irresistível com tudo o que aparece como novidade resultante da doutrinação das massas.
Segundo CHAUI (1982, pp. 82, 83 e 113), ideologia é o conjunto lógico e sistemático de idéias, valores e normas de conduta que indicam aos indivíduos o que e corno pensar, agir, sentir e valorizar, O objetivo da ideologia é fornecer aos membros da sociedade uma justificativa para as diferenças ali existentes, sem nunca referir serem elas resultantes da divisão da sociedade em classes. E também a forma pela qual as idéias da classe dominante podem tornar-se ou parecer universais, naturais e verdadeiras para rodas as classes. A origem da ideologia está na própria divisão da sociedade em classes contraditórias, a partir das divisões na esfera da produção.
A neofilia é a patologia social de nosso tempo. Nem é preciso detalhar nossa sensação quando entramos em um hipermercado. Somos condicionados a tornarmo-nos dependentes, ou seja, adictos a um considerável número de produtos.
Temos assim, em nosso meio, dependentes de roupas, livros, sapatos, aparelhos eletrônicos, comida, bebida... A rigor, segundo os desejos dos magnatas da produção.
Vivemos na sociedade em que o valor prioritário é ter posse de coisas, objetos e pessoas.
O indivíduo é classificado pela marca de sua roupa, pelo cargo que ocupa, o carro que possui, o tipo de trabalho que desempenha ou a quantidade de pessoas as quais dirige. Ter é ser tornou-se o valor da sociedade de consumo. E se não podemos, de imediato, ter algo desejado, já que a ideologia do consumo em nada facilita o aprendizado da espera e do adiamento de ganhos, seus patrocinadores nos oferecem esse algo em “suaves prestações”.
Dessa maneira, os objetos têm um “valor” maior do que o humano. O homem é valorizado pelo que possui e, por isso, corre o risco de, nessa sedução, transformar-se em um ser -coisificado. Para se identificar com o seu meio, ele precisa, cada vez mais, ter. Caso não se possa ter, há o risco até de se querer tirar de quem tem. Isso acaba ocorrendo com pessoas de todas as classes sociais, solitárias e ensimesmadas, desejosas ou apegadas a objetos como forma de esconder suas crises, ou seja, vivendo em alienação. Em seu mundo interno, estão distantes de si mesmas e, quanto ao mundo externo, ausentes de sua realidade social.
As favelas que compoem os grandes centros urbanos constituem um dos mais evidentes paradoxos de nossa época. Num barraco sem as mínimas condições dignas de moradia, serão provavelmente encontrados, por exemplo, aparelho de TV, vídeo, fogão a gás, geladeira e liquidificador entre outros eletrodomésticos. Não que sejamos contrários a moradores de favelas possuírem tais objetos; questionamos, isso sim, o fato de boa parte dessas pessoas não dispor, em seu barraco, de leite ou frutas para liquidificar, ou alimentos na geladeira para diminuir a fome. Que sociedade é essa que estimula e condiciona o consumo e na qual a aparência de ter algo importa mais do que o conteúdo?
Nisso tudo, contam mesmo as aparências. Quando os eixos produção, criação de novas necessidades pela mídia e consumo são absorvidos na sociedade como valores absolutos, eles estão longe de atender a aspirações mais humanas. Tudo converge para os aspectos materiais, do ter, do possuir, enfim, das aparências. As relações de afeto são substituídas, então, por mera troca de objetos ou ganhos, e o relacionamento entre pessoas acaba materializado. Como resultado, emergem duas condições de vida em sociedade: a superproteção e o abandono. Na primeira está presente a riqueza material; na segunda, a pobreza e a exclusão. Mas em qualquer desses extremos o indivíduo pode estar mergulhado na miséria humana, manifestada em duas intenções básicas do consumismo doentio: a gula e a inveja. Ambas retroalimentando o universo ideológico do consumir e do competir.
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