Escrevi no último post, sobre a felicidade e agora vou escrever sobre o oposto, sobre a IRÁ, vou tentar desenhar o que ela faz e o que ela é capaz de fazer, com o mais simples humano e mais pacato dele.
Eu mesmo tive que "brigar" com a minha própria IRÁ, aprender com ela, e saber que como ser humano, a tenho e que conviver com ela é poder evoluir, transformando a sua força que vem em forma de fúria, para um outro tipo de energia.
Sexta-feira, dia 13 de junho, encontro de sanfoneiros, local Recife Antigo, até então uma noite perfeita, estava com meus amigos, brincamos, dançamos, conhecemos novas pessoas, até esse ponto, nada relacionado com a IRÁ ou CÓLERA (humana), mas já se fazia tarde (cedo), algo em torno de 01:00 da matina, quando eu já estava me despedindo dos meus amigos, e montado na "viuva-negra", quando der repente, no final da rua uns 10 homens, partem com toda fúria para tentar pegar um único homem, e o fazem. Mas não para leva-lo para um posto policial, mas para espancá-lo, quando esse homem cai no chão, tem início uma seqüência de chutes e pontapés.
Nesse momento grito, "fudeu vão matar o cara...", éramos em menor número, apenas 4, tentamos evitar que o espancamento seguisse adiante, e o grupo ameaçou agente, primeiro a nossa segurança, e lógico que saímos, a pancadaria "parou", um deles foi que ainda desferiu dois ou três chutes, naquele que já estava inerte no chão. -Aqui começa o drama.
O grupo foi-se, voltei para ver se aquele homem ainda tinha vida, e ainda tinha um sopro de vida, imediatamente chequei os sinais vitais *fracos mas existiam*, pedi pra Anderson ligar pro SAMU, Henrique Bombeiros e Filipe Policia, enquanto tentava, deixar o cara mais confortável o possível, o nome dele Robson Batista, 31 anos, morador da periferia, mãe Antônia Mª Batista, 65 anos, enquanto tentava mantê-lo lúcido, vem o primeiro problema, a 1ª parada cardíaca dele, começo a fazer a RCP, e ao mesmo tempo peço para ligarem de novo para o socorro, trago ele de volta, a essa altura do campeonato já começava a junta, todo tipo de curiosos ao redor, e cada um que falasse uma coisa, "deixa morrer";"é ladrão"; "ajuda ele"; e outras coisas, que não prestei a atenção, a minha preocupação eram, a minha segurança, a dos que comigo estavam e depois com Robson, finalmente ele volta a bater (respirar), peço pra ele ficar falando comigo, e começo a investigar as lesões dele, torax expandido, abdômen rígido no lado do baço, escoriações pelo tronco, olho de guaxinim, ou seja o quadro tava feio pra cacete. Eu sem equipamento, só a vontade de não deixar ele morrer, ainda mais na minha mão.
Passam-se mais 20 min. ou 30 min. e ele insiste em ter outra parada, mais uma vez vou eu fazer o RCP, mas ele volta, e me pede:"me ajude, não me deixe morrer...",respondo -"você na minha mão não vai morrer, me ajude também...", peço para ligarem mais uma vez para o resgate, ai a minha sorte muda, graças a Deus chega o policiamento, enquanto eu controlo os sinais vitais de Robson, dou as informações necessárias para os policiais, e peço para eles reforçarem o pedido do resgate. Robson agora começa a vomitar sangue, tenho que virar ele, para não se engasgar com o próprio vômito, isso que dizer, fui vomitado, por sangue e muco, mais uma parada, tirei a camisa e limpei as vias aéreas, e voltei ao RCP, já eram quase 02:00 da manhã e nada do socorro chegar, entrei em desespero, não sabia por quanto tempo mais, conseguiria, manter ele estável, pulso fraco, convulsionando e apagando cada vez mais rápido, e logo depois a quarta parada, mais uma vez RCP, ele volta a bater, escuto eu o som da sirene, era o resgate. - "Finalmente", pensei. Eles chegam passo o acontecido ao socorrista, me afasto dele, e vou de imediato tomar um banho de soro fisiológico, para tirar o sangue das mãos e braços, percebo-me tremulo e agitado, sentimento de missão completa - Robson não morreu na minha mão, 02:30 finalmente ele é removido.
Vem a dupla de policiais, perguntam o meu nome, respondo e eles:"Meus parabéns, o que você fez ninguém faria, você salvou a vida dele...", respondo, só fiz a minha obrigação. Vou para o bar, lavo o rosto de novo, as mãos e braços, peço uma cerveja sento e tentando acalmar-me tomo um grande gole, daquela cerveja geladíssima. Henrique pega o copo dele, e faz um brinde, "Cezar você salvou o cara...", -respondo, "Nós salvamos...".
O que é impressionante, é que a IRÁ, é capaz de transformar o homem no seu maior predador, "homus lupus homus", isso pode ser por uma coisa banal, como torcida organizada em SP, uma cana troncha no Recife, ou qualquer outro motivo banal.
Não estou postando esse relato aqui, para ser herói, como me chamaram, mas para mostrar que estamos de certo modo, nos animalizando, tiro pelo o que o policial me falou. Isso é a IRÁ e a falta de humanidade...
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