Conceito de Igualdade Material
O princípio da igualdade tem por destinatário, como se percebe, o legislador, que, em sua tarefa regulada constitucionalmente, não deve afastar-se do tratamento isonômico.
Todavia, a igualdade há de subordinar-se às diferenças existentes entre os destinatários da norma, o que leva à conclusão da inexistência da igualdade absoluta, que, caso configurada, criaria situações de absoluta desigualdade. Esse entendimento confirma que ao princípio da igualdade deve ser incluído o conceito de proporcionalidade.
O entendimento da igualdade material, deve ser o de tratamento eqüânime e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito à possibilidades de concessão de oportunidades. Portanto, de acordo com o que se entende por igualdade material, as oportunidades, as chances devem ser oferecidas de forma igualitária para todos os cidadãos, na busca pela apropriação dos bens da cultura.
A igualdade material teria por finalidade a busca pela equiparação dos cidadãos sob todos os aspectos, inclusive o jurídico, podendo-se afirmar: "Todos os homens, no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como à sujeição a deveres".
Mesmo sendo humanitária, idealista e desejável essa igualdade, parece-me que nunca se concretizou em uma sociedade humana. Além do mais, o nosso País prima pela extremação de desigualdade material, basta atermo-nos para a realidade a nossa volta.
Na nossa Constituição Federal de 1988, podemos encontrar vários textos que estabelecem normas programáticas que visam nivelar e diminuir as desigualdades reinantes. Exemplos de tais normas: art. 3º; art. 170 e incisos que tratam da ordem econômica e social; art. 7º que tratam da questão salarial...; art. 205 que trata da democratização do ensino.
A instauração da igualdade material é um princípio programático, contido em nosso Direito Constitucional, o qual, como vimos, se manifesta através de numerosas normas constitucionais positivas, que em princípio, são dotadas de todas as suas características formais.
Observamos, então, que a Constituição Federal vigente, em vários enunciados, preconiza o nivelamento das desigualdades materiais, entretanto, a observação das desigualdades sócio-econômicas no mundo fático, nos mostram que o princípio constitucional e as normas que procuram diminuir as desigualdades materiais, são impunemente desrespeitadas. Portanto, os preceitos que visam estabelecer a igualdade material, primam pela inefetividade ou ineficácia; e como exemplo podemos citar as leis que nos últimos anos têm estipulado os salários mínimos, que desrespeitam o preceituado no art.7º, IV da CF/88.
Ensina Bandeira de Melo (2004, p. 101) que, “Em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade [...], que pode surdir e entremostrar-se sob esta feição de desproporcionalidade do ato, salientando-se, destarte, a possibilidade de correção judicial arrimada neste fundamento”.
Ensina ainda o ilustre professor Bandeira de Melo, ao comentar o princípio da razoabilidade, e referir-se a certa margem de liberdade (margem de discrição) ao administrador público, que “significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas”. A assertiva esposa a idéia de justiça. Então, não deve, pois, o administrador agir sem essa limitação.
Dessa lição de Bandeira de Melo ainda se confirma a necessidade de avaliar-se mais adequadamente expressões contidas no texto constitucional, p.ex., “sempre que possível” (ar.145, parágrafo primeiro), quanto à pessoalidade na instituição de imposto e a capacidade econômica (contributiva) do contribuinte.
Com boa razão, encontra-se no texto do Código de Processo Civil (art. 125, I) a limitação em exame, pois há determinação que compete ao juiz, na direção do processo, “assegurar às partes igualdade de tratamento”. Ocorre, no entanto, que a garantia proposta tratar-se de compromisso formal. Há de buscar-se, ao contrário, a igualdade material, ou seja, a efetivação dessa igualdade exigida.
O processo, dessa forma, deve ser dotado de meios para promover a igualdade entre as partes.
Nessa linha de pensamento, ensina Bedaque (2001, p. 98) que, “Um deles, sem dúvida, é a previsão de que o juiz participe efetivamente da produção da prova. Com tal atitude poderá evitar ele que eventuais desigualdades econômicas repercutam no resultado do processo. Essa interferência do magistrado não afeta de modo algum a liberdade das partes. [...] A real igualdade das partes no processo constitui valor a ser observado sempre, ainda que possa conflitar com outro princípio processual. [...] a ausência de iniciativa probatória pelo juiz corresponde a alguém assistir passivamente a um duelo entre o lobo e o cordeiro”.
Ainda sob amparo nas lições do ilustre jurista Bandeira de Melo (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª. Ed., 10ª. Tir., pp. 37-38) as discriminações são admissíveis quando se verifique uma correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida e que esta seja conforme aos interesses prestigiados pela Constituição.
Não se deve olvidar que na exegese sistemática do texto constitucional predomina o princípio isonômico na relação entre as partes, com ênfase na proteção da igualdade material.
Há de concorrer, por outro lado, certos requisitos para que não se agrida o princípio da isonomia: 1) que a discriminação não atinja de modo atual e absoluto um só indivíduo; 2) que o fator de desigualação consista num traço diferencial residente nas pessoas ou situações, vale dizer, que não lhe seja alheio; 3) que exista um nexo lógico entre o fator de discrímen e a discriminação legal estabelecida em razão dele; e 4) que, no caso concreto, tal vínculo de correlação seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, visando ao bem público, à luz do texto constitucional.
Ensina Eros Roberto Grau (O direito posto e o direito pressuposto. 5ª. ed.,2003, p. 70-71) que “Os princípios jurídicos, princípios de direito, não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior”. (Grifo do autor).
Assevera o professor Eros Grau (cit., p. 112), ao afirmar a importância dos princípios que, “as possibilidades de realização de justiça material hão de residir – ou não residir – no próprio direito, em seus princípios; não se as pode buscar além dele, em valorações abstratas, subjetivas”.
A igualdade, desde a sua entronização no momento liberal, alcançava concreção exclusivamente no nível formal. Cuidava-se de uma igualdade à moda do porco de Orwell (1951, p. 114), no bojo da qual havia – como há – os “iguais” e os “mais iguais”, ou as palavras atribuídas aos leões (Aristóteles (1982., p. 231), quando as lebres se dirigiram à assembléia dos animais, reclamando a igualdade para todos: “Onde estão suas garras e seus dentes?” Ou será, ainda, verdadeira a assertiva de Adam Smith de que do “governo”, o verdadeiro fim é defender os ricos contra os pobres.
Não se pode, porém, demonstrar apenas qualquer diferença: gosto, cor, etc. para se chegar à conclusão que, em razão das diferenças existentes um tratamento desigual será permitido ou que pelo menos na aparência não parece arbitrário. (KLAUS TIPKE, 2002, 55) . Na Teoria das Maças e das Pêras, de K.H. Friaut, citado por Tipke (cit., p. 55), aquele, ironicamente, conforme Tipke, assevera: “Maçãs não são pêras, portanto eu posso tratar maçãs no Direito de modo distinto, posso tributá-las distintamente das pêras!”. Este exemplo configura, como já afirmado, que não será qualquer diferença. Ademais, como afirma Sérgio Sérvulo (2004., p. 98) “Como a natureza e a sociedade humana não são fixas, não há critérios fixos de diferenciação. O que era, no clã, princípio de diferenciação, na sociedade de castas passa a ser considerado fator de discriminação”.
Daí por diante, os conceitos variam conforme a sociedade em que se encontra o indivíduo. E ainda no dizer de Sérgio Sérvulo (cit., pp. 104-105), “O princípio da isonomia encontra adequada expressão naquilo que John Rawls designa como os dois princípios da justiça política: ‘(a) Toda pessoa tem um direito igual a um sistema plenamente adequado de liberdades fundamentais iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para todos; b) As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: a primeira é que devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos, em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades; e a segunda é que devem redundar no maior benefício possível para os membros menos privilegiados da sociedade.’”
Assinala Tipke que, “O princípio da igualdade é norma de conteúdo indeterminado. Ao enunciar que devemos tratar igualmente os iguais e os desiguais desigualmente, na medida de sus desigualdades, o princípio não determina nem as realidades a serem comparadas, nem seu critério de comparação”. (Grifo do autor). Porém, mesmo que o princípio da igualdade seja norma indeterminada, no dizer de Tipke, isto não significa que seu conteúdo seja indeterminável. Destarte, é incontroverso que a igualdade supõe a comparabilidade e a diversidade ao mesmo tempo, sendo por certo, sempre relativa.
Destarte, deve-se perseguir a real extensão do princípio no contexto de seu exame. Mais das vezes, o estudo literal conduz à interpretação literal, vale dizer, investigação meramente formal, o que faz igualar os desiguais. O que se pretende esquadrinhar é a igualdade real, isto é, a razão material.