O
Direito Penal no Brasil passa por uma crise inflacionária grave, existe
atualmente uma propaganda extensiva nas mídias, de que estamos vivendo sob a
ordem da criminalidade, e esse processo de pânico na sociedade, conduz o
legislador, a tomar posturas que temerariamente de recrudescimento de tipos
penais e criação de novos tipos penais, desrespeitando princípios e garantias
do cidadão, positivadas em Constituições
pós modernas. Princípios basilares penais; legalidade; lesividade; e
intervenção mínima, tríade que alicerça as garantias de que o equilíbrio no
direito penal tem que ser utilizado, não como ferramenta de controle social,
mas como ultima ratio na solução dos
conflitos sociais, e por consequência temos um excesso de prisões cautelares
decretadas em vários momentos, apenas com a finalidade precípua de satisfazer o
desejo de vingança do Estado. Sob a ótica de defesa do Estado e do cidadão, o
Estado insurge-se com a sua principal forma de tolher a liberdade, que é a
flagrância que a posteriori é
modificada para alguma das espécies de prisões temporárias: prisão decorrente
da pronuncia, prisão decorrente de sentença recorrível e prisão temporária.
Tais prisões preventivas emergem sob a égide da manutenção da ordem pública,
ordem econômica, a garantia da instrução criminal e a efetividade da lei penal.
O Brasil com o uso deste instrumento de encarceramento, traz enormes prejuízos
a sociedade e muitas vezes a irreparabilidade da medida injustificada leva o
cidadão a um dano moral irreparável.
A
“violência urbana” nos remete o olhar às cidades, notadamente aquelas mais
densas em que a criminalidade está de tal forma enraizada que interfere na sua
morfologia e na “cultura urbana” derivada dela. Neste sentido, qualquer cidade
sul-americana poderia ser utilizada para que as ilações entre estes fenômenos
urbanos fossem feitas, visto que todas apresentam uma estrutura urbana
segregada socialmente e fragmentada espacialmente. Diante da imagem de uma
desigual repartição do acesso aos recursos e às oportunidades sociais dentro da
realidade brasileira, faz-se imprescindível e urgente a observação da aplicação
seletiva das sanções penais estigmatizastes, destacando dentre estas as penas
privativas de liberdade, como fator essencial para a manutenção da escala
vertical da sociedade. Assim, torna-se crucial uma análise apurada de variáveis
dos perfis sociais dos entrantes do sistema prisional, que sejam
provisoriamente ou definitivamente, tendo assim uma perspectiva de que, o
sistema penal, esta sendo utilizado como uma ferramenta de controle social e
quando passa a exercer de maneira seletiva os “seus clientes”, outro sim,
entender o da mesma sorte o fenômeno da reincidência destes.
Estamos
diariamente nos deparando em todas as mídias, com os mais diversos casos de
decretações de prisões preventivas pelos juízes singulares e das suas
revogações pelos tribunais, sem a necessidade de surgimento de novos fatos, que
venham a gerar modificações nas relações fáticas daqueles crimes. Tais fatos
por si, já justificam a escolha do tema, porém a escolha da temática deve-se ao
sentimento de impotência em entender a verdadeira motivação das instâncias
inferiores do Judiciário em conceder a condição de liberdade àqueles que
tiveram decretadas cautelares restritivas de liberdade, sob justificativas
genéricas de que a “ordem pública” e/ou a “garantia da execução penal deve ser
mantida”.
Temos no Estado de Pernambuco,
uma população carcerária que aproxima-se dos 30 mil detentos, destes temos uma
massa crítica de 61% desta população são provisórios, e que, quanto maior a
mora para julgar ou converter ou conceder a liberdade ao que encontra-se
detido, quanto maior será o prejuízo a malha social. Vez que, o indivíduo
colocado em isolamento social completo, perde o contato com a realidade objetiva
social, e passa a conviver e experienciar uma realidade “alternativa” existente
no cárcere.
A prisão como modelo hoje
existente é uma inovação, mas quanto tratamos por cárcere e isolamento é um
modelo que data do século IV, segundo
Sarubbi e Rezende que diz: “ ‘nos
séculos ainda mais anteriores, não constituía um modo de punição’, mas sim como
um meio de obtenção de provas”, esse modelo de encarceramento prévio, anti iudicium é algo que encontra-se
arraigado dentro da nossa cultura, e a sua finalidade a priori deveria ser a modificação do comportamento humano, quer da
negação à confirmação ou como se deseja nos tempos atuais, a reinserção do
cidadão a sociedade.
As ordenações Manuelinas de
1514, já traziam o que viria a ser o embrião dos requisitos das nossas prisões
cautelares. Em seu livro V, titulo 42
existia uma exposição de motivos que levariam ao cárcere os malfeitores:a nossa
prisão:
Livro 5 Tit. 42:Em que casos deuem prender os malfeitores, e receber
querelas, e assi dos em que a justiça há lugar, e se apellará por parte da
justiça, e a cuja custa se fará a acusaçam
EM QUE CASOS DEVEM PREND. OS MALF. ETC 123
d’elfradas, ou
matou alguém, ou que dormio com molher
d’ordem, ou que cometeo pecado de incefto, ou que forçou algûa molher,
ou que he fodomitigo, ou alcouueteiro,
ou falfario, ou feticeiro, ou forteiro, (...)
Assim
percebemos que existia já no Brasil colônia um rol enorme de tipos penais que
poderiam levar o colono a prisão temporária, e esse embrião não era esse
recolhimento ao cárcere a punição em si, mas, uma forma de obtenção de prova
dos referidos delitos.
A trama social é formada por
uma estabilidade existente entre aqueles indivíduos que participam do mesmo
grupo social, quer seja este um micro sistema ou um macro sistema, e sobre a
trama social, Rousseau
fez a afirmação: “Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre
seu semelhante, e pois que a força não produz nenhum direito, restam pois as
convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens”, assim
podemos aduzir que as convenções e o formalismo e que renunciar a liberdade é a
renuncia a própria vida. Isto posto, o homem enquanto ser social, realiza um
pacto de convivência entre os seus pares,que busca a pacificação social, alguns
membros abrem mão de alguns direito em favor da coletividade e a coletividade
irá perquirir o bem comum.
E desta feita temos a formação
do pacto social de Rousseau
Bien entendidas, todas estas
cláusulas se reducen a uma; a saber, la enajenación total de cada associado com
todos SUS derechos a toda comunidad; porque, em primer lugar, al darse cada uno
por entero, la condicíon es la misma para todos, y AL ser la condicíon igual
para todos, nadie tiene interes em harcela costosa a los demás.
Aún más, al hacerse la
enajenacíon sin reservas, la uníon es tan perfecta como uede serlo, y ningún
asociado tiene ya nada que reclamar, porque se lês quedasen algunos derechos a
los particulares, como habría ningún superior común que pudiese fallar entre
ellos y lo público, al ser cada cual su próprio juez em algún punto, [...]
Neste
frágil tecido social é nesta mesma esteira no século XVIII, com a revolução
iluminista, que teve como a principal resultado o banimento do terror que o
estado infligia sobre o povo, procurando trazer como principal foco, a
dignidade da pessoa humana a primeiro plano. A revolução iluminista trouxe à
baila esse princípio, que modificou substancialmente o Direito Penal, e essa
nova era do penalismo se desenvolveu com a base primordial da dignidade do
homem.
1 Sociologia Jurídica
do Estado Juiz
Esse mesmo Estado que possui o dever de proteção dos cidadãos, é o
mesmo Estado econômico, que prioriza alguns em detrimento de alguns. O Estado
social foi com o passar dos tempos, para um Estado neoliberal e que tal analise
pode ser feita, com o auxilio da sociologia jurídica, vem a preocupar-se com as
formações, transformações e movimentos humanos e a sua especificidade que é a
sociologia-juridica, vai ater-se com a relação fática entre o homem e a norma e
de como este conjunto de normas, regras e leis são elementos construtivos de
dês-construtivos de pensamentos e expressões humanas, quando esses
comportamentos são estimulados ou reprimidos pelo Estado, ou mesmo quando, esse
Estado passa a agir ou se omitir acerca de determinados grupos ou agrupamentos
sociais.
O uso de ideologias estrangeiras, sejam estas
quais forem vendem uma falsa realidade e passam a criar duas classes de indivíduos,
otimistas trágicos e pessimistas esperançosos, pois assim como sabemos, a
“coisa” não esta bonita, e por não estar bonita, existe uma verdadeira
necessidade manipular a massa. Quando falamos que, “a coisa não esta bonita”,
estamos dizendo que, o Estado esta cadê vez mais, transformando as suas
comunicações públicas, transmutando o verdadeiro sentido da realidade, e quanto
mais se utiliza de objetos semânticos, mais afastamos o homem médio daquela
compreensão e construção simbólica, que àquele discurso deveria produzir.
Permitindo aqui neste ponto uma referência, a ficção de "MATRIX", se tu pegas a "pílula azul", estais na conformidade, e tudo esta em perfeito equilíbrio, se
pegas a "pílula vermelha", verás o mundo com outros olhos e perceberas que, existe uma verdadeira
desconformidade entre a mensagem que é emitida e a sua decodificação (signo,
significado e referencial).
2 Discurso
Justificador Legislativo
Quando nós observamos a nossa
sociedade e porque não as nossas leis, elas estão eivadas de conceitos
alienígenas, de conceitos e construções européias e estadunidense, o nosso
padrão político é o neo-liberalismo, onde
as empresas transnacionais passam a ditar as políticas governamentais, e
esse mesmo governo em nome de uma pseudo eficiência, passa a ceder ou lotear as
suas áreas de atuações, tais como, saúde, educação, segurança e etc., desta
feita, abri-se mão da própria governabilidade, pois, os interesses das grandes
corporações devem ser atendidos mesmo que em detrimento da soberania nacional.
Como o Estado é o único
legitimo possuidor da capacidade punitiva, e ele passa a ausentar-se da sua
função primária de propiciar o bem social, passamos a ter uma população bestializada, sem acesso aos bens
básicos e que da mesma sorte são, pardos ou negros, pobres e por conseqüência
os principais clientes do assistencialismo governamental sem crítica e por fim,
é o mesmo grupo que vai sofrer a segregação social e penal do mesmo
Estado-empresario.
Esse Estado-empresario
opressor, coloca nas prisões algo em torno de 70% de pessoas não brancas, sobre
o tema, convém atentar para o entendimento de Renato Sérgio
de Lima, quando
assevera que “o recorte cor sugere que alguém só pode ter
cor se ser classificado por ela se existir uma ideologia na qual a cor das
pessoas t em algum significado, ou seja, no interior de ideologias raciais”, a
cor da pele é um forte instrumento de distribuição discriminada da justiça. E
passam a ser criadas medidas de inclusão desses grupos de não brancos, com a
ideologia política de que, “são medidas de reparação históricas...”, o que não
passa de uma grande falácia ou engodo.
3 A força do
Penal Estatal Sobre o Desfavorecido na Origem
Desta sorte, quanto menos favorecida
for uma determinada casta social, menor será o seu poder de abstração quando da
necessidade de resolução de conflitos, ficando estes expostos aos dissabores da
sociedade neoliberal discriminatória e excludente. A criminalidade cresce em
todas as camadas sociais, porem a sua principal perseguição ver-se notadamente
nas classes subalternas que nas classes dominantes, e a própria tipologia do cometimento
do tipo penal, difere entre as classes sociais, nas classes dominantes existe
uma incidência de tipos penais tais como: estelionato e as modalidades de
corrupção, dentre os menos favorecidos, temos os crimes afetos a violência,
homicídios, latrocínios e o trafego de drogas. Na similitude entre os tipos
penais dos grupos sociais, estão no que se refere aos crimes contra o
patrimônio, o primeiro grupo sem o emprego de violência e o segundo grupo com o
emprego de violência. O sujeito de maior suscetibilidade ao cometimento do
crime conforme o nível de empobrecimento, desigualdade social juntamente com, a
precarização do trabalho ou ausência deste, deficiência do sistema educacional e
segregação urbana, de certo modo conduz à estereótipo de que o pobre e pardo é
o inimigo da sociedade.
O que verificamos é uma
verdadeira clivagem social, onde apenas os bestializados
sociais é que ficam recolhidos preventivamente. Joaquim Nabuco:
O abolicionismo, porém, não é só isso e não se contenta com ser o
advogado Ex officio da porção da raça negra ainda escravizada; não reduz a sua
missão a promover e conseguir -no mais breve espaço possível - o resgate dos
escravos e dos ingênuos. Essa obra – de reparação, vergonha ou arrependimento,
como a queiram chamar - da emancipação dos atuais escravos e seus filhos é
apenas a tarefa imediata do abolicionismo. Além dessa, há outra maior, a do
futuro: a de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma
escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a
casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da escravidão.
Quando mesmo a emancipação total fosse decretada amanhã, a liquidação
desse regime só daria lugar a uma série infinita de questões, que só poderiam
ser resolvidas de acordo com os interesses vitais do país pelo mesmo espírito
de justiça e humanidade que dá vida ao abolicionismo. Depois que os últimos
escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça
negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação
viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é,
de despotismo, superstição e ignorância. O processo natural pelo qual a
escravidão fossilizou nos seus moldes a exuberante vitalidade do nosso povo
durante todo o período de crescimento, e enquanto a nação não tiver consciência
de que lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu
organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo
quando não haja mais escravos.
Castro
Alves um
dos maiores abolicionistas brasileiros, em seu poema Navio Negreiro descreve em
suas seis estrofes, a verdadeira odisséia, brutalidade e o calvário vivenciado
por aqueles homens e mulheres siderados em seus direitos mais basilares,
direito a sua nação e a sua liberdade. Homens e mulheres negros que eram
dominados pelo branco europeu, e deixavam de ser homens e mulheres transmutados
em coisa pelos seus algozes.
O livro A Polícia das Famílias,
de Jacques Donzelot, através
da análise de instituições como a medicina, a administração pública, a família,
o poder judiciário, e as profissões assistenciais no cuidado com a infância,
também nos ilumina com algumas análises sobre a intervenção das mesmas nas
famílias de baixa renda e assim afirma:
Tudo
começa por uma linha baixa: uma linha de crítica ou de ataque contra as
nutrizes e a criadagem. E, já a esse nível, existe entrecruzamento, pois não é
do mesmo ponto de vista que a crítica se dirige a ricos e pobres. Com relação
aos pobres, denuncia-se uma economia pública defeituosa que os leva a abandonar
os próprios filhos, a abandonar o campo e sobrecarregar o Estado com encargos
indevidos; como relação aos ricos, denuncia-se uma economia ou uma higiene
privada defeituosas que os levam a confiar, aos serviçais, a educação da
criança, confinada em cômodos estreitos. Já existe, portanto, uma espécie de
hibridação entre o público e o privado, que vai jogar com a diferença
ricos-pobres, como também com a diferença cidade-campo, para esboçar uma
primeira linha.
Esses são os novos escravos do século XXI, são homens,
mulheres e crianças que por seu destino estão subjugados as garras da sociedade
que os marginaliza de forma ampla, e aqui e acolá extrai do centro desta
marginalia um ou outro elemento para de certa maneira dizer que, estamos
vivenciando uma sociedade igualitária em oportunidades e juridicamente
perfeita, mas o que existe na realidade é uma clivagem social no campo material
e no campo subjetivo dos pobres bestializados, e a estes toda e qualquer
política publica é relegada ao terceiro ou quarto plano, salvo as políticas
publicas penais em principal o penalismo anti
iudicium.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto
o que percebemos é que são ciclos,com o tratamento das misérias sociais, e os ciclos eleitorais associados ao pânico
midiático reforçado por toda a imprensa, isto tudo a despeito das enormes
disparidades e vertiginosas sociais existentes em todas as cidades brasileiras,
que assim alimentam exponencialmente a violência criminal, que é o grande
flagelo das nossas cidades. Insegurança institucionalizada no Brasil, fez
surgir o Estado Policial/Penitenciário. Que apóia-se numa concepção hierárquica
e paternalista da cidadania, fundada na oposição cultural entre feras e
doutores, os "selvagens" e os "cultos", que tende a
assimilar marginais, trabalhadores e criminosos, de modo que a
manutenção da ordem de classe e a manutenção da ordem pública se confundem com
a ilusão de que o encarceramento prévio ou cautelar é a forma de controle
social.
Com
a crise do cárcere preventivo, que é decorrente de uma legislação penal e
processual penal, extremamente cruel e penalizante ante iudicium encontra-se de sobremaneira disposto em nossa
realidade, e vidas são perdidas. As prisões cautelares são oriundas de um
Estado policialesco, e que é uma pena processual em que desvirtua os princípios
Constitucionais e a finalidade retributiva da pena. O estudo hermenêutico jurídico da prisão preventiva sob a ótica do
garantismo penal e conforme os fundamentos da Teoria Crítica do Direito, nos
que permite interpretar, que o ordenamento jurídico processual penal não pode
surgir como forma de dominação do Estado, e este não podem ser o vingador
prévio da sociedade.
SARUBBI, Ary &
RESENDE, Afonso Celso F. Sistema prisional na europa. modelo para
NABUCO, Joaquim,
O Abolicionismo, São Paulo : Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro da Folha de São Paulo, p. 4).
DONZELOT, Jacques,
A Polícia das Famílas, Rio de Janeiro, Edições Graal, 1980. p. 7