25 de nov. de 2017

O CRIME E A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: UMA LEITURA DE GUY DEBORD


O crime possui a sua relevância temática no mundo das coisas e no mundo jurídico, porém nos últimos anos, o crime passou a ser mais um espatáculo-espetacular. Em outras épocas a sociedade ficava, em arenas ou coisas parecidas, para apreciar os criminosos-escravos, lutando até a morte, ou, na era cristã, sentavam-se ao pé do morro, para assistirem as crucificações. Porém, tudo era um enorme espetáculo, divulgado a boca miúda pelo povo em êxtase. “Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo à atividade social efetiva; (...) O espetáculo que inverte o real é produzido de forma que a realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva”.[1]
A invasão da contemplação em nossa época dar-se-á, pelas prisões midiáticas e propagadas por todas as formas e meios, transformando-as em verdadeiros “circos” de horrores, e por trás de todas surge à alienação social. O espetáculo tem a capacidade necessária para causar o torpor, modorrar a coletividade com a exibição da miragem que satisfaz a essência da sociedade e ao fim e ao cabo a sustenta.
O Ministro Marco Aurélio de Mello afirmou que o país “vive tempos muito estranhos”, vou ousar em ir um pouco mais além, se é que tal ousadia me é permitida: A estranheza não reside no tempo, mas como nos comportamos nele.
Tudo, tudo absolutamente tudo é espetáculo, até o simples fato de fazer a barba, pentear o cabelo, o trivial virou cena para milhares de expectadores sedentos por existir no mundo virtual, que sustenta seus egos por uns “likes”, ou cento e vinte caracteres. Eu chamo de espetáculo do trivialismo banal.
E diante deste impulso conservacionista de que é só existo se for visto, daí surge o grande temor da morte de não ser visto. Sim, é o binômio perverso eu existo para o espetáculo e o espetáculo existe para a vida.
A nossa jurisdição penal, entrou pela mesma seara, “o espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes[2]”, e lanço a provocação: Qual o fenômeno aparente? Corrupção; Seria o crime; Ou seria a nossa ausência de valores éticos, depois respondo.
Vamos ao maior espetáculo em cartaz no Brasil, chama-se Operação lava jato, até a presente data temos os seguintes números: busca e apreensão foram 844; prisões preventivas 104; policiais envolvidos 4.220, mais de 47 fases; bens bloqueados ou apreendidos nas operações R$ 2.400.000.000,00, 2 ex-presidentes investigados; 1 condenado. São realmente números espetaculares, e todos ou pelo ao menos em sua maioria com os holofotes de todas as mídias, sejam estas quais foram e por todas as mais diferentes narrativas ideológicas sobre tais números. Com um caráter tautológico os meios também são seus fins. Exibo de maneira massiva os números contra o crime, então o crime é combatido, “recobre toda a superfície do mundo e banha-se na sua própria glória”.
Entramos na era o São Tomé, temos que ver pra crer caso contrário não existe, e assim todos os atores da justiça criminal, lançam-se com a ferocidade de um animal acuado, para expor seus argumentos, perfis, estratégias e versões sobre os mesmos fatos. Em algumas ocasiões utilizando-se de figuras retóricas, silogismos e comentários toscos, mas desde que apareçam e virem trending topics e viralizem com a maior velocidade nas redes sociais. Agora mais do que nunca, o crime passou a ser crime-consumível, que ao nosso olhar é destinado apenas para a manutenção do atraso da vida cotidiana in concreto.
Experienciamos a vivência do não ser visto, e a nossa justiça criminal anda pelos mesmos caminhos, porém sob a sombra da impunidade, ao ponto de ouvirmos deu outro Ministro Gilmar Mendes a frase: “não conceder habeas corpus é covardia.”, e neste mesmo dia, outros Ministros estavam acompanhando as redes sociais, para saberem se, estavam ou não sendo vistos.
Agora vamos tentar responder, Qual o fenômeno aparente? Corrupção; Seria o crime; Ou seria a nossa ausência de valores éticos. Os valores éticos. Sim, perdemos alguns valores éticos e, por conseguinte perdemos a felicidade, diante do excesso de exposição midiática e espetacularizada do crime, das nossas vidas e do nosso ser. Como era bom o tempo da telefonia analógica.
Cezar Souza
Professor/Advogado





[1] DEBORD, Guy, A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, p.16, eBooksBrasil, 2003
[2] Idem, idem.

26 de jun. de 2017

Asuncíon - O que fazer...


Esse post é para meus amigos e futuros amigos, sobre o que fazer em Asuncíon fora do período de aulas.
O esteriótipo de que lá, "é a terra da muanda", é apenas um esteriótipo. Tem muita cultura sim, e um povo cordial, gentil e feliz. Eles adoram receber bem os brasileiros e o fazem muito bem.
Vamos as dicas:


  •  Calle Palma

Calle Palma está localizada em pleno coração da capital paraguaia. É a principal rua do centro de Assunção e é onde está a maioria do comércio. Nessa rua também estão alguns dos principais atrativos da cidade e a Casa do Turista, onde é possível descolar mapas, informações, comprar artesanatos e lembranças, ou simplesmente se refrescar no ar condicionado. Vale a pena pegar um mapa e algumas informações na Casa do Turista e a partir dali começar a explorar a cidade.  A Calle Palma é o lugar ideal pra começar a visita a Assunção.
É também onde estão as principais casas de cambio, mas, a dica é "bater perna", uma vez que o cambio vária de casa para casa.
  • Panteón de los Heroes

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Frente do Panteón de los Heroes.
Panteón de los Heroes é um monumento que começou a ser construído originalmente como uma igreja, por ordem do próprio General Solano Lopez (em 1863). Com a Guerra da Tríplice Aliança (conhecida pelos brasileiros como Guerra do Paraguai) a obra foi interrompida e ficou parada por mais de 70 anos, sendo concluído somente após a Guerra do Chaco, que o Paraguai disputou contra a Bolívia em 1936. No mesmo ano o monumento se transformou no Panteão dos heróis nacionais por decreto presidencial. Mais tarde, por pressão da igreja, o Panteón foi mesclado com o Oratório da Virgem da Assunção e voltou a ser um local religioso. 

Panteón fica localizado na Plaza de los Héroes, uma das 4 praças que formam uma grande área verde em pleno coração de Assunção. Embora o espaço pareça ser uma única praça, na verdade são 4 praças:  Plaza de los Heroes Plaza de la Libertad, Plaza de la Democracia e Plaza Juan E. O’leary. Detalhe importante: Nessa praça existe Wi-Fi gratuito!

  • Catedral Metropolitana de Assunção

Localizada em frente à Plaza Independencia, a igreja foi construída pela primeira vez em 1539, mas foi destruída várias vezes pelas cheias do Rio Paraná. Foi reconstruída em definitivo em 1842 e atualmente está anexada ao Museu Litúrgicos e de Arte Sacra.
Vale ressaltar que a praça que fica em frente a catedral também é formada por várias praças. Estas praças também são atrativos da cidade, mas quando visitamos a cidade, as praças estavam completamente tomadas por abrigos provisórios para os moradores ribeirinhos e não pudemos conhecê-las. Entre as praças que estão nesta região, além da Plaza Independencia estão: a Plaza de Armas, a Plaza del Congresso, o Parque la Victoria, entre outras.
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  • Centro Cultural de la República el Cabildo

Também localizado entre as praças, o Centro Cultural de la República fica quase em frente a Catedral. Está abrigado no prédio do antigo Cabildo de Asunción, um dos mais antigos da cidade com quase 500 anos. Durante o período colonial, o lindo prédio rosado serviu como centro administrativo, posteriormente foi sede do poder legislativo, até que se tornou um Centro Cultural.
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O Centro Cultural possui 8 salas com exposições de vários temas relacionados a história e cultura paraguaia. Para maiores informações acesse o site oficial do Centro Cultural de la República. 
  • Palácio de Lopez

Bem próximo a estas praças está um dos principais atrativos da cidade e em minha opinião, o edifício mais belo de Assunção. Trata-se do Palácio do governo paraguaio, o Palácio de Lopez. 
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Palácio de Lopez – Sede do Governo Paraguaio.
Infelizmente não é possível se aproximar deste edifício, pois é a sede do governo paraguaio. Os seguranças ainda me deixaram chegar até um pouco mais adiante pra tirar umas fotos, “pero no se demore!”.
Palácio de Lopez iluminado.
Durante o mês de Maio, quando se comemora a Independência do Paraguai, e durante o mês de Agosto, quando se comemora a fundação de Assunção, é possível visitar o interior do Palácio de Lopez. Em outras épocas é possível tentar agendar visita pelo número (021) 414 0000. Vale ressaltar que é um pouco difícil.
A noite o Palácio de Lopez fica todo iluminado, assim como alguns edifícios pela cidade. Vale a pena dar uma volta, a cidade fica bem bonita.


  • Avenida Costanera

Inaugurada em 2013 a Avenida Costanera  revive um costume paraguaio esquecido durante séculos, segundo os responsáveis pela obra, a cidade já não dá as costas ao Rio Paraguay e agora os paraguaios e turistas podem olhar o emblemático rio de frente. Com a revitalização do local, a Avenida transformou-se em um espaço utilizado pelos paraguaios para caminhada e pratica de outras atividades esportivas.
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Avenida Costanera de Assunção.
A partir da Costanera é possível ter uma visão de outro ângulo do Palácio de Lopez, também é possível avistar o Porto de Assunção.
Tem um belo pôr do sol é muito bonito neste local.
  • Iglesia de la Encarnación

Localizada no alto de uma das colinas de Assunção, a Iglesia de la Encarnación é pouco visitada pelos turistas. Sua construção em estilo romano-coríntio se iniciou em 1893, mas não chegou a ser concluída totalmente. A parte de trás da igreja parece um pouco abandonada, mas ainda assim vale a visita.
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Iglesia de la Encarnación
O interior desta igreja é bem bonito, com grandes pilares, um grande salão e bem no alto existe ainda um belo órgão de tubos. Seu exterior é bonito também, com destaque para sua cúpula.
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Interior da Iglesia de la Encarnación
Todos os atrativos mencionados até aqui ficam no micro-centro de Assunção e se encontram relativamente próximos um ao outro. É possível visitá-los a pé, sem a menor dificuldade. 
O imperdível 
  • Mercado 4

mercado 4 é um enorme conglomerado comercial onde é possível encontrar praticamente tudo, com o melhor preço de Assunção.
Nós adoramos visitar este tipo de local, pois é uma oportunidade de observar a cultura local e o cotidiano de boa parte da população. Nós fomos ao mercado em companhia do Nando (Staff de nosso Hostel) mas poderíamos ter ido sozinhos com muita tranquilidade. Ao contrário de alguns mercados populares existentes em outros países latinos que visitamos, como no México e no Peru (ou mesmo em São Paulo), o mercado de Assunção nos pareceu bastante tranquilo e muito seguro.
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Mercado 4, mercado popular de Assunção.
O maior mercado popular de Assunção pode ser um pouco chocante pra quem não está habituado com países latinos, mas se você já visitou algum país do continente latino-americano, provavelmente já teve experiência parecida.
  • Loma San Jeronimo

Loma  San Jeronimo é um pitoresco vilarejo que fica em um dos bairros mais antigos de Assunção, o Bairro Dr. Francia.
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Loma San Jeronimo – Bairro revitalizado em Assunção.
Com muitas casas coloridas, enfeites e apetrechos (também coloridos) que chegam a lembrar lugares como La Boca em Buenos Aires, ou a Lapa no Rio, o modesto vilarejo ganhou o coração dos moradores da cidade e dos turistas a partir de 2013, quando foi totalmente revitalizado e se tornou o primeiro bairro turístico de Assunção.
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La escalinata – Loma San Jeronimo
Bem no alto do pequeno morro existe um mirante de onde é possível avistar o Porto de Assunção e até o Chaco Paraguaio.
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Vista do Porto no Rio Paraguai e do Chaco Paraguaio.
É possível pegar  um ônibus pra chegar até lá, ou ir a pé mesmo. Os melhores dias pra visitar a Loma San Jeronimo são o Sábado e Domingo, quando a boemia está a todo vapor.

Bem ficam as dicas, boa viagem e nos vemos lá.
(imagens de mochila e caneca)

8 de jan. de 2017

O Brasil penitenciário


A penalidade moderna apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um "mais Estado" policial e penitenciário o "menos Estado" econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública - simbolizada pela luta contra a delinquência de rua no momento em que este se afirma e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira.

O problema do sistema prisional pernambucano e/ou brasileiro, não esta no capital humano, mas sim, no modelo adotado. A House of correction invensão inglesa do séc. XVIII, não difere em muito do que temos hoje no Brasil. E vou mais além, o modelo atual, pouco difere da nossa invenção do mesmo século, a SENZALA. Onde homens que em outrora foram livres, mais diante da sua situação, racial, social foram trancafiados nas piores condições possíveis. As nossas "lindas e belas" não recuperam, não socializam, não produzem condições mínimas de evolução daquele "cliente" do sistema. Sistema este voltado para os bestializados sociais, que por sua condição, social, racial, educacional e econômica, encontram-se um dia com a marginália e portanto passam a ser tratados como pessoas de 2ª ou 3ª classe e como tal, podem ser AMONTOADAS em pequenos cubículos e lá serem esquecidos pela sociedade e pelo Estado.

Temos um problema crônico, uma enorme bomba relógio prestes a explodir. Ps. Explodiu!
Lamentável.

4 de dez. de 2016

A Liberdade que não temos



Temos que experienciar a história com agentes ativos, conhecê-la profundamente, descobrir as nossas raízes e sermos capazes de abstrair do seu conteúdo as nossas formações etnográficas, politicas e legislativas, pois somos o eco das escolhas históricas que a nossa sociedade fez durante toda a sua evolução. Sem entender a nossa historicidade estaremos fadados ao fracasso. E vem o questionamento, o quanto somos realmente livres?
 Hoje, no Brasil e no mundo, vivemos uma crescente da xenofobia e do encarceramento em massa, criminalizando tudo aquilo que nos é diferente, elegendo como crime/criminoso ou se não crime propriamente dito, mas como inadequado, e como tal medidas de afastamento são prontamente tomadas.  O fato é que, quanto mais nos afastamos, menos conhecemos o objeto do afastamento, e assim o temor torna-se imperante do “lado de cá do muro”.
No século XVI o motivo de medo tinha cor definida, e não era o branco caucasiano que gerava o receio. Era a “cor de jambo” do índio, que eram taxados de selvagens pelo sim estrangeiro que a principio atuou em duas frentes distintas, a primeira baseada na catequese e a segunda mais cruel baseada nas expedições de punições. E assim deu-se a primeira fase de ausência de liberdade, quer seja a liberdade da crença originária e por fim da liberdade e da vida, quando não sujeitos a submissão do conquistador europeu.
Ainda segundo os nossos livros de historia os primeiros escravos, aqui chegaram ainda em 1538, pelas mãos do arrendatário de pau brasil, Jorge Bixorda, e a ideia político-social de que os brancos eram superiores e o seu inverso verdadeiro, o negro era sub-raça e, portanto, seria elevada a categoria de propriedade destes primeiros, que eram em sua totalidade a minoria. Desta feitas, as concepções político-sociais da época, diziam que a supremacia caucasiana justificavam as medidas de afastamento e a classificação excludente dos eles e nós.
Em pouco mais de um século quase 2.000.000 de negros foram sequestrados de seus lares e traficados para os nossos portos, enquanto que a população indígena era dizimada aos milhares. Em meados do século XIX, por pressões externas, foi necessário repensar o modelo econômico, dai surge a Lei do Ventre Livre ou Lei do Rio Branco - LEI Nº 2.040 de 28.09.1871, que concedeu a liberdade àqueles nascidos dai então, mas qual o seu efeito prático? Nenhum, pois a criança nascia livre, contudo seus pais ainda eram escravos, e como escravos essas crianças viviam, pois, a completa ausência da autonomia da vontade e o julgo do Senhor de escravos estava por sobre seus pais. E a própria norma assim positivou: “Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos.”, ser escravo até a maior idade ou ser jogado a sarjeta e, a posteriori, se tornar o vadio das ruas.   A concepção brasileira era de atender as pressões da comunidade internacional, e não “ficar de fora” das concepções iluministas que pairavam sobre a sociedade ocidental na época e que internamente não poderia dar a total liberdade aos escravos, uma vez que todo o modelo econômico vigente, literalmente, pesava por sobre o ombro dos escravos.
Em 1888, a Lei 3.353 a não menos famosa “lei Aurea”, vem para, finalmente, dizer que todos são livres no Brasil, todos aqueles que se encontram sobre o julgo de outro homem será, desde então, liberto das suas amarras, e elevado à categoria de seres humanos. Contudo estes não poderiam ter a ascensão social e para tanto, em 1890, uma nova lei deu o permissivo que novos caucasianos europeus aqui migrassem e passem a ocupar os novos postos de trabalho na recém-indústria brasileira, mantendo o negro/pardo/mameluco em seus respectivos guetos, nas longínquas periferias dos centros urbanos. Esses novos libertos, “sem beira nem eira” restaram à nova subcategoria humana de favelado, não sabiam nem ler ou escrever e escravos da própria sorte ainda continuava.
Vagando pelos grandes centros, esses ex-escravos geraram um incômodo à nobreza, sendo criado, em plena República de 1893, o Decreto do Presidente Floriano Peixoto de nº 145/1893, primeiro, criando uma colônia penal e depois criando o tipo penal para aquele publico alvo, que eram os seguintes: “qualquer sexo e qualquer idade que, não estando sujeitos ao poder paterno ou sob a direcção de tutores ou curadores, sem meios de subsistência, por fortuna própria, ou profissão, arte, officio, occupação legal e honesta em que ganhem a vida, vagarem pela cidade na ociosidade.”, estes eram exatamente os indivíduos subjugados pela escravatura, agora de escravos a criminosos e voltariam ao trabalho nas fazendas ou fábricas, mas na condição de presos, escravos não do particular, mas do Estado-Juiz. Em 1903 existiu a necessidade de repensar quem eram essas pessoas e quais as formas que, tais colônias fossem rentáveis, para que elas pudessem se autossustentar, já nesse período encarceravam órfãos entre 9 e 14 anos, inculpados criminalmente, mas pela sua própria condição social.
Retrocedendo ainda aos idos de 1894, outros indivíduos foram taxados de subversivos como, por exemplo, a Guerra de Canudos, ou melhor, o Massacre de Canudos, que se deu por conta da miserabilidade existencial nordestina, que vieram a se reunir em torno do beato Antônio Conselheiro antirrepublicano convicto. Conduziu os seus, por mais de um ano, até que finalmente as tropas federais assassinaram a todos em 1897. Crianças, velhos e mulheres não foram poupados.
Na Guerra do Contestado, ocorrida entre as fronteiras do Paraná e Santa Catarina, por conta da construção de uma estrada de ferro, vários pequenos camponeses perderam as suas terras em detrimento os ganhos dos latifundiários, ao passo que os construtores ficavam ricos e os trabalhadores trazidos de várias regiões do Brasil, ao término, ficaram sem emprego e sem qualquer apoio estatal. E sob a liderança de José Maria, a população fragilizada passou a ter a consciência da precária condição e, desta feita, o Estado passou a divulgar que José Maria era inimigo da república, terminando com a prisão de Adeodato em 1916 e sua condenação a 30 anos de regime fechado.
Outras tentativas de reformas básicas, na mesma sorte, foram intentadas e dizimadas igualmente, como o Tenentismo, que tentou buscar reformas político-sociais estruturantes e combater a corrupção que já dominava o governo federal. E contra todos esses movimentos exceções foram suscitadas e aplicadas com a finalidade de cessar qualquer conscientização de liberdade ideológica que por ventura pudesse surgir.
Podemos concluir que sempre que alguém, por sua condição de raça, poder econômico ou casto social foi e é até a presente data, subtraída a sua condição humana e como res passa a ser tratada, sob o julgo agora do Estado. O ventre é livre e a escravatura física existe na sua forma transmutada em prisão ou em sublimação do Estado, em suas polítcas assistencialistas e a crescente penalização das condutas humanas, subvertendo questões de saúde pública em uma quimera de segurança pública totalitária, pela via do medo. 
Vivemos o medo Hobbesiano, o medo se consolida não como uma reação a um perigo ou ameaça específicos, mas a uma situação geral de insegurança. Teme-se não apenas a morte, mas também a violência, o desemprego, a dificuldade financeira, e até o próprio medo. Trata-se de um medo de “segundo grau”, ou “medo derivado”, que abrange parte considerável da população, de modo a propiciar um clima generalizado de insegurança. E temos o medo do mulato, do maltrapilho, do torcedor de futebol, do policial e do Estado. Quanto mais medo, menos liberdade termos, e essa é a liberdade que não temos.

Cezar Souza

Msc. Ciências Jurídicas/Advogado militante/Membro da CDH-OAB/PE

16 de mar. de 2016

A ÉTICA E O ADVOGADO




Falar e escrever sobre ética na advocacia parece que é e falar e escrever sobre lugar comum, principalmente para quem esta dando os seus primeiros passos na profissão, mas não é.

A advocacia possui um código de ética, que trata do próprio espírito deste labor privado e ou público de cunho Constitucional, e assim diz a nossa Carta Política de 88: “art. 133 - Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”, e no estatuto da advocacia e da ordem dos advogados do Brasil em seu art. 44, I nos diz: “defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.” e no art. 2º caput do Código de Ética e Disciplina da OAB retrata no mesmo sentido com o seguinte mandamento ético: “O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.”, esses são os parâmetros deontológicos do exercício da advocacia.

         Advogar esse mister tão nobre, tão belo que vai muito mais além do que, as becas utilizadas nos plenários, ou a freqüência com que circula por entre os fóruns ou tribunais.

Advogar é saber defender o estado democrático de direito, dentro dos limites éticos e com a eterna busca pelo aperfeiçoamento das instituições e de si mesmo.
Esse pequeno preâmbulo foi apenas para que possamos comentar sobre a militância e seu patrocínio, se não vejamos: Procurar mitigar as desigualdades e perquirir a igualdade entre a sociedade.

O advogado não é o “dono da causa”, é sim ele que patrocina em favor do terceiro. Patrocínio este feito por meio de mandato, com limites a serem respeitados e esse mandato não é apenas um papel a ser posto nos autos do processo, é um documento de compromisso de que, esse patrono vai encontrar-se obrigado a informar ao cliente, de forma clara e sem margem de outras interpretações, quais os riscos daquela demanda e suas consequências, não podendo sob nenhuma hipótese prometer o famoso “SUCESSO” daquela demanda. Alguns possuem o receio da não promessa de sucesso e perder o cliente.

Começar a ser ético, antes de tudo tem que começar – parece óbvio não é? Como dito antes o patrocínio é exercido por meio de mandato, e este deve ser cumprido com toda diligência possível, o jargão em latim já diz: “dormientibus non succurrit jus”, e não pode dormir mesmo, haja vista que o exercício da advocacia deve este ser diligente, não podendo esperar o bom alvitre ou coisa que o valha do nosso judiciário, a duração razoável do processo depende diretamente desta advocacia diligente e atuante.

Vamos chegar aos finalmente sobre esta díade entre o patrocínio e a diligência, em nosso código de ética, em especial artigo 8º até o 10 temos os seguintes preceitos:

“Art. 8o O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda.
Art. 9o A conclusão ou desistência da causa, com ou sem a extinção do mandato, obriga o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no exercício do mandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo outras prestações solicitadas, pelo cliente, a qualquer momento.
Art. 10. Concluída a causa ou arquivado o processo, presumem se o cumprimento e a cessação do mandato.”

Vejamos alguns verbetes chaves, ou para os penalistas de plantão, alguns núcleos de tipos: “informar; eventuais; consequências; conclusão; desistência; documentos; devolução; pormenorização” é dever de o advogado informar de forma clara as eventuais consequências sobre a demanda e da conclusão ou desistência sua ou do cliente, entregar ao cliente de forma pormenorizada, os feitos e sua prestação de contas, bem como devolver¸ todos os documentos pertinentes àquela demanda.

Como dizia um comercial nos anos 80 (pernambucanos vão lembrar) das Casas José Araujo – “Onde quem manda é o freguês”, pois é o cliente que tem a sua “saúde” jurídica a ser atendida e que de alguma forma, para este cliente é algo de suma importância, independentemente em que esfera de jurisdição seja. Ninguém vai ao judiciário se para si, aquela demanda não é importante “por isso não concordo com o termo popular de ‘juizado de pequenas causas’”, não existe causa pequena.

Desídia e Diligência são os antônimos e que distinguem o mister da advocacia. A desídia deve ser combatida com todas as forças, pois, uma vez ela instalada, o direito do cliente pode precluir, prescrever, decair e depois nada mais pode ser feito, e isso não é advogar.

Imaginemos a situação de uma demanda trabalhista com a sua prescrição intercorrente na justiça do trabalho, que limita em até dois anos o direito de ação após a extinção do contrato laboral, ou nos mesmos dois anos a possibilidade de cobrança de alimentos devidos pelo alimentado ou ainda um excesso de prazo para o julgador manter um cidadão em prisão cautelar. Como dito anteriormente, o direito não pode dormir no gabinete do juiz, nem tão pouco na mesa do advogado.

E no nosso Código de Ética, no artigo 11 nos leva a seguinte reflexão entre o patrocínio diligente e o patrocínio negligente, vamos a ele: “Art. 11. O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono constituído, sem prévio conhecimento do mesmo, salvo por motivo justo ou para adoção de medidas judiciais urgentes e inadiáveis.”. A primeira parte deste artigo procura proteger o advogado diligente quando diz: “não deve aceitar procuração de quem já tem patrono...”, pois sim, se o advogado esta a frente da causa, indo pleitear o direito do seu constituinte de forma diligente, outro não deve entrar na causa pelas “suas costas”, vez que é a injustiça contra aquele que esta trabalhando condignamente na busca pela equidade e justiça, mas vamos a segunda parte do mesmo artigo. Notemos que, existem verbetes no texto que permitem uma aceitação da causa por outro advogado, em face do premente prejuízo do cliente: “salvo”; “urgentes”; e “inadiáveis”. Vamos perceber aqui o seguinte, uma vez o cliente perceba ou sinta que seu advogado não esta agindo com a devida diligência com a causa, este pode nomear outro e este pode aceitar em face daquela urgência, e digo urgência que não é do novo advogado e sim do cliente, que esta de alguma forma vendo o seu direito findar e nada poder fazer. E neste sentido trago uma decisão do CFOAB que confirma o afirmado acima:

RECURSO N. 49.0000.2014.004874-9/SCA-TTU. Rectes: I.M.A.M. e J.A.K. (Advs: Ivonete Maria de Aguiar Mazzega OAB/RJ 102882 e Outra e José Alberto Kede OAB/RJ 11684). Recdos: Conselho Seccional da OAB/Rio de Janeiro, P.H.T.F. e M.A.D.C. (Advs: Paulo Henrique Teles Fagundes OAB/RJ 72474 e Marcello Cerqueira OAB/RJ 3083). Relator: Conselheiro Federal Cícero Borges Bordalo Junior (AP). EMENTA N. 133/2014/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal. Violação ao preceito ético do art. 11 do Código de Ética e Disciplina. Recurso não provido. 1) Não deve o advogado aceitar procuração de cliente que já tenha patrono constituído, sem a prévia ciência deste, salvo para adoção de medidas urgentes e inadiáveis ou por justo motivo. Ausentes estas duas circunstâncias incorre o advogado em falta ética prevista no art. 11 do CED c/c com o art. 26, II do EAOAB. 2) Recurso não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da 3ª Turma da Segunda Câmara do CFOAB, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em acolher o voto do Relator, parte integrante deste, conhecendo e negando provimento ao recurso. Brasília, 04 de novembro de 2014. Renato da Costa Figueira, Presidente. Cícero Borges Bordalo Júnior, Relator. (DOU, S.1, 17.11.2014, p. 96/97) (grifo nosso)

Conforme o acórdão, não existindo estas duas situações não deve o advogado habilitar-se em processo de outrem, e eu iria um pouco mais além, e digo três situações. E mesmo assim a urgência, justo motivo ou medida inadiável quem vai dizer é o cliente.

Quer seja pela preclusão consumativa, decadência, prescrição e etc. Esse “feeling” é do cliente, e que tem o direito de se socorrer de outro profissional para lhe socorrer naquela sua aflição premente e real e este último em percebem uma das três situações, deve-lhe socorrer ou intervir na melhor forma possível.

Bem as relações entre cliente e advogado deve ser algo sagrado, não só na advocacia, mas em todas as profissões, mas, os advogados possuem um limiar ético mais severo entre a relação com o cliente e a relação com o colega. E essas relações devem ser por todos os advogados protegidas. A população mesmo em muitas ocasiões não entender o linguajar peculiar da advocacia, existe uma confiança enorme e que não deve ser quebrada sob nenhuma hipótese, pois a advocacia como dito no início, é a defensora da cidadania e democracia.






22 de jan. de 2016

DIREITOS FUNDAMENTAIS: caminho da ressocialização


Direitos fundamentais - É sempre bom lembrar que, aqueles que cometeram ilícitos penais, sejam de que natureza for e encontram-se egregados conforme a sua responsabilidade e reprovabilidade dos seus atos, um dia vão ter que obrigatoriamente retornar a sociedade, e portanto, devem eles ter as condições mínimas necessárias para a ressocialização, o que implica dizer que, o sistema carcerário tem a obrigação de resguardar os seus direitos fundamentais, vez que estão sob a tutela do Estado. Porém é um tema tão sensível que as pessoas, não olham para tal direito destes seres humanos, e muitos preferem trancafiá-los e as chaves jogar fora.
O STF, tratou do tema na ADPF 347 e mesmo com o pedido de vistas (2015), o Ministro Marco Aurélio concedeu a tutela parcial que, determina aos juízes e tribunais que lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas alternativas à privação de liberdade; que passem a realizar, em até 90 dias,
E ainda no tema 220 da repercussão geral, representado pelo Recurso Extraordinário (RE) 592581, de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, discutiu-se a possibilidade de o Poder Judiciário determinar a realização de obras em estabelecimentos prisionais para assegurar os direitos fundamentais dos reclusos. Por unanimidade, o Tribunal estabeleceu como tese ser lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer-se consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral, nos termos do artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos Poderes. O julgamento ocorreu em 13 de agosto de 2015.
Se os direitos fundamentais são prerrogativas de todos, também é prerrogativa daquele(s) que estão diretamente sob a tutela do Estado e se assim for respeitado a possibilidade deste indivíduo voltar a ser "cliente" do sistema prisional será finalmente então reduzida.

23 de out. de 2015

Prisões Cautelares: Violação de Direitos Fundamentais




O Direito Penal no Brasil passa por uma crise inflacionária grave, existe atualmente uma propaganda extensiva nas mídias, de que estamos vivendo sob a ordem da criminalidade, e esse processo de pânico na sociedade, conduz o legislador, a tomar posturas que temerariamente de recrudescimento de tipos penais e criação de novos tipos penais, desrespeitando princípios e garantias do cidadão, positivadas em  Constituições pós modernas. Princípios basilares penais; legalidade; lesividade; e intervenção mínima, tríade que alicerça as garantias de que o equilíbrio no direito penal tem que ser utilizado, não como ferramenta de controle social, mas como ultima ratio na solução dos conflitos sociais, e por consequência temos um excesso de prisões cautelares decretadas em vários momentos, apenas com a finalidade precípua de satisfazer o desejo de vingança do Estado. Sob a ótica de defesa do Estado e do cidadão, o Estado insurge-se com a sua principal forma de tolher a liberdade, que é a flagrância que a posteriori é modificada para alguma das espécies de prisões temporárias: prisão decorrente da pronuncia, prisão decorrente de sentença recorrível e prisão temporária. Tais prisões preventivas emergem sob a égide da manutenção da ordem pública, ordem econômica, a garantia da instrução criminal e a efetividade da lei penal. O Brasil com o uso deste instrumento de encarceramento, traz enormes prejuízos a sociedade e muitas vezes a irreparabilidade da medida injustificada leva o cidadão a um dano moral irreparável.
A “violência urbana” nos remete o olhar às cidades, notadamente aquelas mais densas em que a criminalidade está de tal forma enraizada que interfere na sua morfologia e na “cultura urbana” derivada dela. Neste sentido, qualquer cidade sul-americana poderia ser utilizada para que as ilações entre estes fenômenos urbanos fossem feitas, visto que todas apresentam uma estrutura urbana segregada socialmente e fragmentada espacialmente. Diante da imagem de uma desigual repartição do acesso aos recursos e às oportunidades sociais dentro da realidade brasileira, faz-se imprescindível e urgente a observação da aplicação seletiva das sanções penais estigmatizastes, destacando dentre estas as penas privativas de liberdade, como fator essencial para a manutenção da escala vertical da sociedade. Assim, torna-se crucial uma análise apurada de variáveis dos perfis sociais dos entrantes do sistema prisional, que sejam provisoriamente ou definitivamente, tendo assim uma perspectiva de que, o sistema penal, esta sendo utilizado como uma ferramenta de controle social e quando passa a exercer de maneira seletiva os “seus clientes”, outro sim, entender o da mesma sorte o fenômeno da reincidência destes.
Estamos diariamente nos deparando em todas as mídias, com os mais diversos casos de decretações de prisões preventivas pelos juízes singulares e das suas revogações pelos tribunais, sem a necessidade de surgimento de novos fatos, que venham a gerar modificações nas relações fáticas daqueles crimes. Tais fatos por si, já justificam a escolha do tema, porém a escolha da temática deve-se ao sentimento de impotência em entender a verdadeira motivação das instâncias inferiores do Judiciário em conceder a condição de liberdade àqueles que tiveram decretadas cautelares restritivas de liberdade, sob justificativas genéricas de que a “ordem pública” e/ou a “garantia da execução penal deve ser mantida”.
Temos no Estado de Pernambuco, uma população carcerária que aproxima-se dos 30 mil detentos, destes temos uma massa crítica de 61% desta população são provisórios, e que, quanto maior a mora para julgar ou converter ou conceder a liberdade ao que encontra-se detido, quanto maior será o prejuízo a malha social. Vez que, o indivíduo colocado em isolamento social completo, perde o contato com a realidade objetiva social, e passa a conviver e experienciar uma realidade “alternativa” existente no cárcere.
A prisão como modelo hoje existente é uma inovação, mas quanto tratamos por cárcere e isolamento é um modelo que data do século IV, segundo Sarubbi e Rezende[1] que diz: “ ‘nos séculos ainda mais anteriores, não constituía um modo de punição’, mas sim como um meio de obtenção de provas”, esse modelo de encarceramento prévio, anti iudicium é algo que encontra-se arraigado dentro da nossa cultura, e a sua finalidade a priori deveria ser a modificação do comportamento humano, quer da negação à confirmação ou como se deseja nos tempos atuais, a reinserção do cidadão a sociedade.
As ordenações Manuelinas de 1514, já traziam o que viria a ser o embrião dos requisitos das nossas prisões cautelares. Em seu livro V, titulo 42[2] existia uma exposição de motivos que levariam ao cárcere os malfeitores:a nossa prisão:
Livro 5 Tit. 42:Em que casos deuem prender os malfeitores, e receber querelas, e assi dos em que a justiça há lugar, e se apellará por parte da justiça, e a cuja custa se fará a acusaçam
EM QUE CASOS DEVEM PREND. OS MALF. ETC 123
d’elfradas, ou matou alguém, ou que dormio com molher  d’ordem, ou que cometeo pecado de incefto, ou que forçou algûa molher, ou que he fodomitigo, ou  alcouueteiro, ou falfario, ou feticeiro, ou forteiro, (...)
                        Assim percebemos que existia já no Brasil colônia um rol enorme de tipos penais que poderiam levar o colono a prisão temporária, e esse embrião não era esse recolhimento ao cárcere a punição em si, mas, uma forma de obtenção de prova dos referidos delitos.
A trama social é formada por uma estabilidade existente entre aqueles indivíduos que participam do mesmo grupo social, quer seja este um micro sistema ou um macro sistema, e sobre a trama social, Rousseau[3] fez a afirmação: “Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu semelhante, e pois que a força não produz nenhum direito, restam pois as convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens”, assim podemos aduzir que as convenções e o formalismo e que renunciar a liberdade é a renuncia a própria vida. Isto posto, o homem enquanto ser social, realiza um pacto de convivência entre os seus pares,que busca a pacificação social, alguns membros abrem mão de alguns direito em favor da coletividade e a coletividade irá perquirir o bem comum.
E desta feita temos a formação do pacto social de Rousseau[4]
Bien entendidas, todas estas cláusulas se reducen a uma; a saber, la enajenación total de cada associado com todos SUS derechos a toda comunidad; porque, em primer lugar, al darse cada uno por entero, la condicíon es la misma para todos, y AL ser la condicíon igual para todos, nadie tiene interes em harcela costosa a los demás.
Aún más, al hacerse la enajenacíon sin reservas, la uníon es tan perfecta como uede serlo, y ningún asociado tiene ya nada que reclamar, porque se lês quedasen algunos derechos a los particulares, como habría ningún superior común que pudiese fallar entre ellos y lo público, al ser cada cual su próprio juez em algún punto, [...]
                        Neste frágil tecido social é nesta mesma esteira no século XVIII, com a revolução iluminista, que teve como a principal resultado o banimento do terror que o estado infligia sobre o povo, procurando trazer como principal foco, a dignidade da pessoa humana a primeiro plano. A revolução iluminista trouxe à baila esse princípio, que modificou substancialmente o Direito Penal, e essa nova era do penalismo se desenvolveu com a base primordial da dignidade do homem.
1 Sociologia Jurídica do Estado Juiz
Esse mesmo Estado que possui o dever de proteção dos cidadãos, é o mesmo Estado econômico, que prioriza alguns em detrimento de alguns. O Estado social foi com o passar dos tempos, para um Estado neoliberal e que tal analise pode ser feita, com o auxilio da sociologia jurídica, vem a preocupar-se com as formações, transformações e movimentos humanos e a sua especificidade que é a sociologia-juridica, vai ater-se com a relação fática entre o homem e a norma e de como este conjunto de normas, regras e leis são elementos construtivos de dês-construtivos de pensamentos e expressões humanas, quando esses comportamentos são estimulados ou reprimidos pelo Estado, ou mesmo quando, esse Estado passa a agir ou se omitir acerca de determinados grupos ou agrupamentos sociais.
O uso de ideologias estrangeiras, sejam estas quais forem vendem uma falsa realidade e passam a criar duas classes de indivíduos, otimistas trágicos e pessimistas esperançosos, pois assim como sabemos, a “coisa” não esta bonita, e por não estar bonita, existe uma verdadeira necessidade manipular a massa. Quando falamos que, “a coisa não esta bonita”, estamos dizendo que, o Estado esta cadê vez mais, transformando as suas comunicações públicas, transmutando o verdadeiro sentido da realidade, e quanto mais se utiliza de objetos semânticos, mais afastamos o homem médio daquela compreensão e construção simbólica, que àquele discurso deveria produzir. Permitindo aqui neste ponto uma referência, a ficção de "MATRIX", se tu pegas a "pílula azul", estais na conformidade, e tudo esta em perfeito equilíbrio, se pegas a "pílula vermelha", verás o mundo com outros olhos  e perceberas que, existe uma verdadeira desconformidade entre a mensagem que é emitida e a sua decodificação (signo, significado e referencial). 
2 Discurso Justificador Legislativo
Quando nós observamos a nossa sociedade e porque não as nossas leis, elas estão eivadas de conceitos alienígenas, de conceitos e construções européias e estadunidense, o nosso padrão político é o neo-liberalismo, onde  as empresas transnacionais passam a ditar as políticas governamentais, e esse mesmo governo em nome de uma pseudo eficiência, passa a ceder ou lotear as suas áreas de atuações, tais como, saúde, educação, segurança e etc., desta feita, abri-se mão da própria governabilidade, pois, os interesses das grandes corporações devem ser atendidos mesmo que em detrimento da soberania nacional.
Como o Estado é o único legitimo possuidor da capacidade punitiva, e ele passa a ausentar-se da sua função primária de propiciar o bem social, passamos a ter uma população bestializada, sem acesso aos bens básicos e que da mesma sorte são, pardos ou negros, pobres e por conseqüência os principais clientes do assistencialismo governamental sem crítica e por fim, é o mesmo grupo que vai sofrer a segregação social e penal do mesmo Estado-empresario.
Esse Estado-empresario opressor, coloca nas prisões algo em torno de 70% de pessoas não brancas, sobre o tema, convém atentar para o entendimento de Renato  Sérgio  de  Lima,   quando  assevera  que  “o recorte cor sugere que alguém só pode ter cor se ser classificado por ela se existir uma ideologia na qual a cor das pessoas t em algum significado, ou seja, no interior de ideologias raciais”, a cor da pele é um forte instrumento de distribuição discriminada da justiça. E passam a ser criadas medidas de inclusão desses grupos de não brancos, com a ideologia política de que, “são medidas de reparação históricas...”, o que não passa de uma grande falácia ou engodo.
3 A força do Penal Estatal Sobre o Desfavorecido na Origem
Desta sorte, quanto menos favorecida for uma determinada casta social, menor será o seu poder de abstração quando da necessidade de resolução de conflitos, ficando estes expostos aos dissabores da sociedade neoliberal discriminatória e excludente. A criminalidade cresce em todas as camadas sociais, porem a sua principal perseguição ver-se notadamente nas classes subalternas que nas classes dominantes, e a própria tipologia do cometimento do tipo penal, difere entre as classes sociais, nas classes dominantes existe uma incidência de tipos penais tais como: estelionato e as modalidades de corrupção, dentre os menos favorecidos, temos os crimes afetos a violência, homicídios, latrocínios e o trafego de drogas. Na similitude entre os tipos penais dos grupos sociais, estão no que se refere aos crimes contra o patrimônio, o primeiro grupo sem o emprego de violência e o segundo grupo com o emprego de violência. O sujeito de maior suscetibilidade ao cometimento do crime conforme o nível de empobrecimento, desigualdade social juntamente com, a precarização do trabalho ou ausência deste, deficiência do sistema educacional e segregação urbana, de certo modo conduz à estereótipo de que o pobre e pardo é o inimigo da sociedade.
O que verificamos é uma verdadeira clivagem social, onde apenas os bestializados sociais é que ficam recolhidos preventivamente. Joaquim Nabuco[5]:
O abolicionismo, porém, não é só isso e não se contenta com ser o advogado Ex officio da porção da raça negra ainda escravizada; não reduz a sua missão a promover e conseguir -no mais breve espaço possível - o resgate dos escravos e dos ingênuos. Essa obra – de reparação, vergonha ou arrependimento, como a queiram chamar - da emancipação dos atuais escravos e seus filhos é apenas a tarefa imediata do abolicionismo. Além dessa, há outra maior, a do futuro: a de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da escravidão.
Quando mesmo a emancipação total fosse decretada amanhã, a liquidação desse regime só daria lugar a uma série infinita de questões, que só poderiam ser resolvidas de acordo com os interesses vitais do país pelo mesmo espírito de justiça e humanidade que dá vida ao abolicionismo. Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é, de despotismo, superstição e ignorância. O processo natural pelo qual a escravidão fossilizou nos seus moldes a exuberante vitalidade do nosso povo durante todo o período de crescimento, e enquanto a nação não tiver consciência de que lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não haja mais escravos.
            Castro Alves[6] um dos maiores abolicionistas brasileiros, em seu poema Navio Negreiro descreve em suas seis estrofes, a verdadeira odisséia, brutalidade e o calvário vivenciado por aqueles homens e mulheres siderados em seus direitos mais basilares, direito a sua nação e a sua liberdade. Homens e mulheres negros que eram dominados pelo branco europeu, e deixavam de ser homens e mulheres transmutados em coisa pelos seus algozes.
O livro A Polícia das Famílias, de Jacques Donzelot[7], através da análise de instituições como a medicina, a administração pública, a família, o poder judiciário, e as profissões assistenciais no cuidado com a infância, também nos ilumina com algumas análises sobre a intervenção das mesmas nas famílias de baixa renda e assim afirma:
Tudo começa por uma linha baixa: uma linha de crítica ou de ataque contra as nutrizes e a criadagem. E, já a esse nível, existe entrecruzamento, pois não é do mesmo ponto de vista que a crítica se dirige a ricos e pobres. Com relação aos pobres, denuncia-se uma economia pública defeituosa que os leva a abandonar os próprios filhos, a abandonar o campo e sobrecarregar o Estado com encargos indevidos; como relação aos ricos, denuncia-se uma economia ou uma higiene privada defeituosas que os levam a confiar, aos serviçais, a educação da criança, confinada em cômodos estreitos. Já existe, portanto, uma espécie de hibridação entre o público e o privado, que vai jogar com a diferença ricos-pobres, como também com a diferença cidade-campo, para esboçar uma primeira linha.
Esses são os novos escravos do século XXI, são homens, mulheres e crianças que por seu destino estão subjugados as garras da sociedade que os marginaliza de forma ampla, e aqui e acolá extrai do centro desta marginalia um ou outro elemento para de certa maneira dizer que, estamos vivenciando uma sociedade igualitária em oportunidades e juridicamente perfeita, mas o que existe na realidade é uma clivagem social no campo material e no campo subjetivo dos pobres bestializados, e a estes toda e qualquer política publica é relegada ao terceiro ou quarto plano, salvo as políticas publicas penais em principal o penalismo anti iudicium.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto o que percebemos é que são ciclos,com o tratamento das misérias sociais, e os ciclos eleitorais associados ao pânico midiático reforçado por toda a imprensa, isto tudo a despeito das enormes disparidades e vertiginosas sociais existentes em todas as cidades brasileiras, que assim alimentam exponencialmente a violência criminal, que é o grande flagelo das nossas cidades. Insegurança institucionalizada no Brasil, fez surgir o Estado Policial/Penitenciário. Que apóia-se numa concepção hierárquica e paternalista da cidadania, fundada na oposição cultural entre feras e doutores, os "selvagens" e os "cultos", que tende a assimilar marginais, trabalhadores e criminosos, de modo que a manutenção da ordem de classe e a manutenção da ordem pública se confundem com a ilusão de que o encarceramento prévio ou cautelar é a forma de controle social.
          Com a crise do cárcere preventivo, que é decorrente de uma legislação penal e processual penal, extremamente cruel e penalizante ante iudicium encontra-se de sobremaneira disposto em nossa realidade, e vidas são perdidas. As prisões cautelares são oriundas de um Estado policialesco, e que é uma pena processual em que desvirtua os princípios Constitucionais e a finalidade retributiva da pena. O estudo hermenêutico jurídico da prisão preventiva sob a ótica do garantismo penal e conforme os fundamentos da Teoria Crítica do Direito, nos que permite interpretar, que o ordenamento jurídico processual penal não pode surgir como forma de dominação do Estado, e este não podem ser o vingador prévio da sociedade.


[1] SARUBBI, Ary & RESENDE, Afonso Celso F. Sistema prisional na europa. modelo para
o brasil? Campinas: Paritas, 1997. p. 44.
[2] Ordenações Manuelinas, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l5p123.htm <último acesso 03.03.2015>
[3] Rousseau, Jean Jacques, El Contrato Social, 1ºed.,Gradifco, Buenos Aires, 2007, p. 17.
[4] Rousseau, Jean Jacques, Op.cit. 2007, p.24
[5] NABUCO, Joaquim, O Abolicionismo, São Paulo : Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro da Folha de São Paulo, p. 4).
[6] ALVES, Castro, NAVIO NEGREIRO, 1868, ele descreve os horrores que os escravos traficados do continente africano enfrentam, na terceira estrofe assim ele expressa “não pode olhar humano  Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!”, onde os marinheiros para o seu prazer e divertimento, surram aqueles escravos e os forçam a realizar os seus sádicos prazeres.
[7] DONZELOT, Jacques, A Polícia das Famílas, Rio de Janeiro, Edições Graal, 1980. p. 7