O CRIME E A
SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: UMA LEITURA DE GUY DEBORD
O
crime possui a sua relevância temática no mundo das coisas e no mundo jurídico,
porém nos últimos anos, o crime passou a ser mais um espatáculo-espetacular. Em
outras épocas a sociedade ficava, em arenas ou coisas parecidas, para apreciar
os criminosos-escravos, lutando até a morte, ou, na era cristã, sentavam-se ao
pé do morro, para assistirem as crucificações. Porém, tudo era um enorme espetáculo,
divulgado a boca miúda pelo povo em êxtase. “Não se pode contrapor
abstratamente o espetáculo à atividade social efetiva; (...) O espetáculo que inverte
o real é produzido de forma que a
realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo,
refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva”.[1]
A
invasão da contemplação em nossa época dar-se-á, pelas prisões midiáticas e
propagadas por todas as formas e meios, transformando-as em verdadeiros “circos”
de horrores, e por trás de todas surge à alienação social. O espetáculo tem a
capacidade necessária para causar o torpor, modorrar a coletividade com a
exibição da miragem que satisfaz a essência da sociedade e ao fim e ao cabo a
sustenta.
O
Ministro Marco Aurélio de Mello afirmou que o país “vive tempos muito estranhos”,
vou ousar em ir um pouco mais além, se é que tal ousadia me é permitida: A
estranheza não reside no tempo, mas como nos comportamos nele.
Tudo,
tudo absolutamente tudo é espetáculo, até o simples fato de fazer a barba,
pentear o cabelo, o trivial virou cena para milhares de expectadores sedentos
por existir no mundo virtual, que sustenta seus egos por uns “likes”, ou cento e vinte caracteres. Eu
chamo de espetáculo do trivialismo banal.
E
diante deste impulso conservacionista de que é só existo se for visto, daí surge
o grande temor da morte de não ser visto. Sim, é o binômio perverso eu existo
para o espetáculo e o espetáculo existe para a vida.
A
nossa jurisdição penal, entrou pela mesma seara, “o espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes[2]”,
e lanço a provocação: Qual o fenômeno aparente? Corrupção; Seria o crime; Ou seria
a nossa ausência de valores éticos, depois respondo.
Vamos
ao maior espetáculo em cartaz no Brasil, chama-se Operação lava jato, até a presente data temos os seguintes números:
busca e apreensão foram 844; prisões preventivas 104; policiais envolvidos
4.220, mais de 47 fases; bens bloqueados ou apreendidos nas operações R$
2.400.000.000,00, 2 ex-presidentes investigados; 1 condenado. São realmente
números espetaculares, e todos ou pelo ao menos em sua maioria com os holofotes
de todas as mídias, sejam estas quais foram e por todas as mais diferentes
narrativas ideológicas sobre tais números. Com um caráter tautológico os meios
também são seus fins. Exibo de maneira massiva os números contra o crime, então
o crime é combatido, “recobre toda a superfície do mundo e banha-se na sua
própria glória”.
Entramos
na era o São Tomé, temos que ver pra crer
caso contrário não existe, e assim todos os atores da justiça criminal,
lançam-se com a ferocidade de um animal acuado, para expor seus argumentos,
perfis, estratégias e versões sobre os mesmos fatos. Em algumas ocasiões
utilizando-se de figuras retóricas, silogismos e comentários toscos, mas desde
que apareçam e virem trending topics e
viralizem com a maior velocidade nas redes sociais. Agora mais do que nunca, o
crime passou a ser crime-consumível,
que ao nosso olhar é destinado apenas para a manutenção do atraso da vida
cotidiana in concreto.
Experienciamos
a vivência do não ser visto, e a nossa justiça criminal anda pelos mesmos
caminhos, porém sob a sombra da impunidade, ao ponto de ouvirmos deu outro
Ministro Gilmar Mendes a frase: “não conceder habeas corpus é covardia.”, e
neste mesmo dia, outros Ministros estavam acompanhando as redes sociais, para
saberem se, estavam ou não sendo vistos.
Agora
vamos tentar responder, Qual o fenômeno aparente? Corrupção; Seria o crime; Ou seria
a nossa ausência de valores éticos. Os valores éticos. Sim, perdemos alguns
valores éticos e, por conseguinte perdemos a felicidade, diante do excesso de
exposição midiática e espetacularizada do crime, das nossas vidas e do nosso
ser. Como era bom o tempo da telefonia analógica.
Cezar Souza
Professor/Advogado
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