23 de out. de 2015

Prisões Cautelares: Violação de Direitos Fundamentais




O Direito Penal no Brasil passa por uma crise inflacionária grave, existe atualmente uma propaganda extensiva nas mídias, de que estamos vivendo sob a ordem da criminalidade, e esse processo de pânico na sociedade, conduz o legislador, a tomar posturas que temerariamente de recrudescimento de tipos penais e criação de novos tipos penais, desrespeitando princípios e garantias do cidadão, positivadas em  Constituições pós modernas. Princípios basilares penais; legalidade; lesividade; e intervenção mínima, tríade que alicerça as garantias de que o equilíbrio no direito penal tem que ser utilizado, não como ferramenta de controle social, mas como ultima ratio na solução dos conflitos sociais, e por consequência temos um excesso de prisões cautelares decretadas em vários momentos, apenas com a finalidade precípua de satisfazer o desejo de vingança do Estado. Sob a ótica de defesa do Estado e do cidadão, o Estado insurge-se com a sua principal forma de tolher a liberdade, que é a flagrância que a posteriori é modificada para alguma das espécies de prisões temporárias: prisão decorrente da pronuncia, prisão decorrente de sentença recorrível e prisão temporária. Tais prisões preventivas emergem sob a égide da manutenção da ordem pública, ordem econômica, a garantia da instrução criminal e a efetividade da lei penal. O Brasil com o uso deste instrumento de encarceramento, traz enormes prejuízos a sociedade e muitas vezes a irreparabilidade da medida injustificada leva o cidadão a um dano moral irreparável.
A “violência urbana” nos remete o olhar às cidades, notadamente aquelas mais densas em que a criminalidade está de tal forma enraizada que interfere na sua morfologia e na “cultura urbana” derivada dela. Neste sentido, qualquer cidade sul-americana poderia ser utilizada para que as ilações entre estes fenômenos urbanos fossem feitas, visto que todas apresentam uma estrutura urbana segregada socialmente e fragmentada espacialmente. Diante da imagem de uma desigual repartição do acesso aos recursos e às oportunidades sociais dentro da realidade brasileira, faz-se imprescindível e urgente a observação da aplicação seletiva das sanções penais estigmatizastes, destacando dentre estas as penas privativas de liberdade, como fator essencial para a manutenção da escala vertical da sociedade. Assim, torna-se crucial uma análise apurada de variáveis dos perfis sociais dos entrantes do sistema prisional, que sejam provisoriamente ou definitivamente, tendo assim uma perspectiva de que, o sistema penal, esta sendo utilizado como uma ferramenta de controle social e quando passa a exercer de maneira seletiva os “seus clientes”, outro sim, entender o da mesma sorte o fenômeno da reincidência destes.
Estamos diariamente nos deparando em todas as mídias, com os mais diversos casos de decretações de prisões preventivas pelos juízes singulares e das suas revogações pelos tribunais, sem a necessidade de surgimento de novos fatos, que venham a gerar modificações nas relações fáticas daqueles crimes. Tais fatos por si, já justificam a escolha do tema, porém a escolha da temática deve-se ao sentimento de impotência em entender a verdadeira motivação das instâncias inferiores do Judiciário em conceder a condição de liberdade àqueles que tiveram decretadas cautelares restritivas de liberdade, sob justificativas genéricas de que a “ordem pública” e/ou a “garantia da execução penal deve ser mantida”.
Temos no Estado de Pernambuco, uma população carcerária que aproxima-se dos 30 mil detentos, destes temos uma massa crítica de 61% desta população são provisórios, e que, quanto maior a mora para julgar ou converter ou conceder a liberdade ao que encontra-se detido, quanto maior será o prejuízo a malha social. Vez que, o indivíduo colocado em isolamento social completo, perde o contato com a realidade objetiva social, e passa a conviver e experienciar uma realidade “alternativa” existente no cárcere.
A prisão como modelo hoje existente é uma inovação, mas quanto tratamos por cárcere e isolamento é um modelo que data do século IV, segundo Sarubbi e Rezende[1] que diz: “ ‘nos séculos ainda mais anteriores, não constituía um modo de punição’, mas sim como um meio de obtenção de provas”, esse modelo de encarceramento prévio, anti iudicium é algo que encontra-se arraigado dentro da nossa cultura, e a sua finalidade a priori deveria ser a modificação do comportamento humano, quer da negação à confirmação ou como se deseja nos tempos atuais, a reinserção do cidadão a sociedade.
As ordenações Manuelinas de 1514, já traziam o que viria a ser o embrião dos requisitos das nossas prisões cautelares. Em seu livro V, titulo 42[2] existia uma exposição de motivos que levariam ao cárcere os malfeitores:a nossa prisão:
Livro 5 Tit. 42:Em que casos deuem prender os malfeitores, e receber querelas, e assi dos em que a justiça há lugar, e se apellará por parte da justiça, e a cuja custa se fará a acusaçam
EM QUE CASOS DEVEM PREND. OS MALF. ETC 123
d’elfradas, ou matou alguém, ou que dormio com molher  d’ordem, ou que cometeo pecado de incefto, ou que forçou algûa molher, ou que he fodomitigo, ou  alcouueteiro, ou falfario, ou feticeiro, ou forteiro, (...)
                        Assim percebemos que existia já no Brasil colônia um rol enorme de tipos penais que poderiam levar o colono a prisão temporária, e esse embrião não era esse recolhimento ao cárcere a punição em si, mas, uma forma de obtenção de prova dos referidos delitos.
A trama social é formada por uma estabilidade existente entre aqueles indivíduos que participam do mesmo grupo social, quer seja este um micro sistema ou um macro sistema, e sobre a trama social, Rousseau[3] fez a afirmação: “Uma vez que homem nenhum possui uma autoridade natural sobre seu semelhante, e pois que a força não produz nenhum direito, restam pois as convenções como base de toda autoridade legítima entre os homens”, assim podemos aduzir que as convenções e o formalismo e que renunciar a liberdade é a renuncia a própria vida. Isto posto, o homem enquanto ser social, realiza um pacto de convivência entre os seus pares,que busca a pacificação social, alguns membros abrem mão de alguns direito em favor da coletividade e a coletividade irá perquirir o bem comum.
E desta feita temos a formação do pacto social de Rousseau[4]
Bien entendidas, todas estas cláusulas se reducen a uma; a saber, la enajenación total de cada associado com todos SUS derechos a toda comunidad; porque, em primer lugar, al darse cada uno por entero, la condicíon es la misma para todos, y AL ser la condicíon igual para todos, nadie tiene interes em harcela costosa a los demás.
Aún más, al hacerse la enajenacíon sin reservas, la uníon es tan perfecta como uede serlo, y ningún asociado tiene ya nada que reclamar, porque se lês quedasen algunos derechos a los particulares, como habría ningún superior común que pudiese fallar entre ellos y lo público, al ser cada cual su próprio juez em algún punto, [...]
                        Neste frágil tecido social é nesta mesma esteira no século XVIII, com a revolução iluminista, que teve como a principal resultado o banimento do terror que o estado infligia sobre o povo, procurando trazer como principal foco, a dignidade da pessoa humana a primeiro plano. A revolução iluminista trouxe à baila esse princípio, que modificou substancialmente o Direito Penal, e essa nova era do penalismo se desenvolveu com a base primordial da dignidade do homem.
1 Sociologia Jurídica do Estado Juiz
Esse mesmo Estado que possui o dever de proteção dos cidadãos, é o mesmo Estado econômico, que prioriza alguns em detrimento de alguns. O Estado social foi com o passar dos tempos, para um Estado neoliberal e que tal analise pode ser feita, com o auxilio da sociologia jurídica, vem a preocupar-se com as formações, transformações e movimentos humanos e a sua especificidade que é a sociologia-juridica, vai ater-se com a relação fática entre o homem e a norma e de como este conjunto de normas, regras e leis são elementos construtivos de dês-construtivos de pensamentos e expressões humanas, quando esses comportamentos são estimulados ou reprimidos pelo Estado, ou mesmo quando, esse Estado passa a agir ou se omitir acerca de determinados grupos ou agrupamentos sociais.
O uso de ideologias estrangeiras, sejam estas quais forem vendem uma falsa realidade e passam a criar duas classes de indivíduos, otimistas trágicos e pessimistas esperançosos, pois assim como sabemos, a “coisa” não esta bonita, e por não estar bonita, existe uma verdadeira necessidade manipular a massa. Quando falamos que, “a coisa não esta bonita”, estamos dizendo que, o Estado esta cadê vez mais, transformando as suas comunicações públicas, transmutando o verdadeiro sentido da realidade, e quanto mais se utiliza de objetos semânticos, mais afastamos o homem médio daquela compreensão e construção simbólica, que àquele discurso deveria produzir. Permitindo aqui neste ponto uma referência, a ficção de "MATRIX", se tu pegas a "pílula azul", estais na conformidade, e tudo esta em perfeito equilíbrio, se pegas a "pílula vermelha", verás o mundo com outros olhos  e perceberas que, existe uma verdadeira desconformidade entre a mensagem que é emitida e a sua decodificação (signo, significado e referencial). 
2 Discurso Justificador Legislativo
Quando nós observamos a nossa sociedade e porque não as nossas leis, elas estão eivadas de conceitos alienígenas, de conceitos e construções européias e estadunidense, o nosso padrão político é o neo-liberalismo, onde  as empresas transnacionais passam a ditar as políticas governamentais, e esse mesmo governo em nome de uma pseudo eficiência, passa a ceder ou lotear as suas áreas de atuações, tais como, saúde, educação, segurança e etc., desta feita, abri-se mão da própria governabilidade, pois, os interesses das grandes corporações devem ser atendidos mesmo que em detrimento da soberania nacional.
Como o Estado é o único legitimo possuidor da capacidade punitiva, e ele passa a ausentar-se da sua função primária de propiciar o bem social, passamos a ter uma população bestializada, sem acesso aos bens básicos e que da mesma sorte são, pardos ou negros, pobres e por conseqüência os principais clientes do assistencialismo governamental sem crítica e por fim, é o mesmo grupo que vai sofrer a segregação social e penal do mesmo Estado-empresario.
Esse Estado-empresario opressor, coloca nas prisões algo em torno de 70% de pessoas não brancas, sobre o tema, convém atentar para o entendimento de Renato  Sérgio  de  Lima,   quando  assevera  que  “o recorte cor sugere que alguém só pode ter cor se ser classificado por ela se existir uma ideologia na qual a cor das pessoas t em algum significado, ou seja, no interior de ideologias raciais”, a cor da pele é um forte instrumento de distribuição discriminada da justiça. E passam a ser criadas medidas de inclusão desses grupos de não brancos, com a ideologia política de que, “são medidas de reparação históricas...”, o que não passa de uma grande falácia ou engodo.
3 A força do Penal Estatal Sobre o Desfavorecido na Origem
Desta sorte, quanto menos favorecida for uma determinada casta social, menor será o seu poder de abstração quando da necessidade de resolução de conflitos, ficando estes expostos aos dissabores da sociedade neoliberal discriminatória e excludente. A criminalidade cresce em todas as camadas sociais, porem a sua principal perseguição ver-se notadamente nas classes subalternas que nas classes dominantes, e a própria tipologia do cometimento do tipo penal, difere entre as classes sociais, nas classes dominantes existe uma incidência de tipos penais tais como: estelionato e as modalidades de corrupção, dentre os menos favorecidos, temos os crimes afetos a violência, homicídios, latrocínios e o trafego de drogas. Na similitude entre os tipos penais dos grupos sociais, estão no que se refere aos crimes contra o patrimônio, o primeiro grupo sem o emprego de violência e o segundo grupo com o emprego de violência. O sujeito de maior suscetibilidade ao cometimento do crime conforme o nível de empobrecimento, desigualdade social juntamente com, a precarização do trabalho ou ausência deste, deficiência do sistema educacional e segregação urbana, de certo modo conduz à estereótipo de que o pobre e pardo é o inimigo da sociedade.
O que verificamos é uma verdadeira clivagem social, onde apenas os bestializados sociais é que ficam recolhidos preventivamente. Joaquim Nabuco[5]:
O abolicionismo, porém, não é só isso e não se contenta com ser o advogado Ex officio da porção da raça negra ainda escravizada; não reduz a sua missão a promover e conseguir -no mais breve espaço possível - o resgate dos escravos e dos ingênuos. Essa obra – de reparação, vergonha ou arrependimento, como a queiram chamar - da emancipação dos atuais escravos e seus filhos é apenas a tarefa imediata do abolicionismo. Além dessa, há outra maior, a do futuro: a de apagar todos os efeitos de um regime que, há três séculos, é uma escola de desmoralização e inércia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da escravidão.
Quando mesmo a emancipação total fosse decretada amanhã, a liquidação desse regime só daria lugar a uma série infinita de questões, que só poderiam ser resolvidas de acordo com os interesses vitais do país pelo mesmo espírito de justiça e humanidade que dá vida ao abolicionismo. Depois que os últimos escravos houverem sido arrancados ao poder sinistro que representa para a raça negra a maldição da cor, será ainda preciso desbastar, por meio de uma educação viril e séria, a lenta estratificação de trezentos anos de cativeiro, isto é, de despotismo, superstição e ignorância. O processo natural pelo qual a escravidão fossilizou nos seus moldes a exuberante vitalidade do nosso povo durante todo o período de crescimento, e enquanto a nação não tiver consciência de que lhe é indispensável adaptar à liberdade cada um dos aparelhos do seu organismo de que a escravidão se apropriou, a obra desta irá por diante, mesmo quando não haja mais escravos.
            Castro Alves[6] um dos maiores abolicionistas brasileiros, em seu poema Navio Negreiro descreve em suas seis estrofes, a verdadeira odisséia, brutalidade e o calvário vivenciado por aqueles homens e mulheres siderados em seus direitos mais basilares, direito a sua nação e a sua liberdade. Homens e mulheres negros que eram dominados pelo branco europeu, e deixavam de ser homens e mulheres transmutados em coisa pelos seus algozes.
O livro A Polícia das Famílias, de Jacques Donzelot[7], através da análise de instituições como a medicina, a administração pública, a família, o poder judiciário, e as profissões assistenciais no cuidado com a infância, também nos ilumina com algumas análises sobre a intervenção das mesmas nas famílias de baixa renda e assim afirma:
Tudo começa por uma linha baixa: uma linha de crítica ou de ataque contra as nutrizes e a criadagem. E, já a esse nível, existe entrecruzamento, pois não é do mesmo ponto de vista que a crítica se dirige a ricos e pobres. Com relação aos pobres, denuncia-se uma economia pública defeituosa que os leva a abandonar os próprios filhos, a abandonar o campo e sobrecarregar o Estado com encargos indevidos; como relação aos ricos, denuncia-se uma economia ou uma higiene privada defeituosas que os levam a confiar, aos serviçais, a educação da criança, confinada em cômodos estreitos. Já existe, portanto, uma espécie de hibridação entre o público e o privado, que vai jogar com a diferença ricos-pobres, como também com a diferença cidade-campo, para esboçar uma primeira linha.
Esses são os novos escravos do século XXI, são homens, mulheres e crianças que por seu destino estão subjugados as garras da sociedade que os marginaliza de forma ampla, e aqui e acolá extrai do centro desta marginalia um ou outro elemento para de certa maneira dizer que, estamos vivenciando uma sociedade igualitária em oportunidades e juridicamente perfeita, mas o que existe na realidade é uma clivagem social no campo material e no campo subjetivo dos pobres bestializados, e a estes toda e qualquer política publica é relegada ao terceiro ou quarto plano, salvo as políticas publicas penais em principal o penalismo anti iudicium.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto o que percebemos é que são ciclos,com o tratamento das misérias sociais, e os ciclos eleitorais associados ao pânico midiático reforçado por toda a imprensa, isto tudo a despeito das enormes disparidades e vertiginosas sociais existentes em todas as cidades brasileiras, que assim alimentam exponencialmente a violência criminal, que é o grande flagelo das nossas cidades. Insegurança institucionalizada no Brasil, fez surgir o Estado Policial/Penitenciário. Que apóia-se numa concepção hierárquica e paternalista da cidadania, fundada na oposição cultural entre feras e doutores, os "selvagens" e os "cultos", que tende a assimilar marginais, trabalhadores e criminosos, de modo que a manutenção da ordem de classe e a manutenção da ordem pública se confundem com a ilusão de que o encarceramento prévio ou cautelar é a forma de controle social.
          Com a crise do cárcere preventivo, que é decorrente de uma legislação penal e processual penal, extremamente cruel e penalizante ante iudicium encontra-se de sobremaneira disposto em nossa realidade, e vidas são perdidas. As prisões cautelares são oriundas de um Estado policialesco, e que é uma pena processual em que desvirtua os princípios Constitucionais e a finalidade retributiva da pena. O estudo hermenêutico jurídico da prisão preventiva sob a ótica do garantismo penal e conforme os fundamentos da Teoria Crítica do Direito, nos que permite interpretar, que o ordenamento jurídico processual penal não pode surgir como forma de dominação do Estado, e este não podem ser o vingador prévio da sociedade.


[1] SARUBBI, Ary & RESENDE, Afonso Celso F. Sistema prisional na europa. modelo para
o brasil? Campinas: Paritas, 1997. p. 44.
[2] Ordenações Manuelinas, http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/l5p123.htm <último acesso 03.03.2015>
[3] Rousseau, Jean Jacques, El Contrato Social, 1ºed.,Gradifco, Buenos Aires, 2007, p. 17.
[4] Rousseau, Jean Jacques, Op.cit. 2007, p.24
[5] NABUCO, Joaquim, O Abolicionismo, São Paulo : Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro da Folha de São Paulo, p. 4).
[6] ALVES, Castro, NAVIO NEGREIRO, 1868, ele descreve os horrores que os escravos traficados do continente africano enfrentam, na terceira estrofe assim ele expressa “não pode olhar humano  Como o teu mergulhar no brigue voador! Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!”, onde os marinheiros para o seu prazer e divertimento, surram aqueles escravos e os forçam a realizar os seus sádicos prazeres.
[7] DONZELOT, Jacques, A Polícia das Famílas, Rio de Janeiro, Edições Graal, 1980. p. 7

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