25 de nov. de 2017

O CRIME E A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO: UMA LEITURA DE GUY DEBORD


O crime possui a sua relevância temática no mundo das coisas e no mundo jurídico, porém nos últimos anos, o crime passou a ser mais um espatáculo-espetacular. Em outras épocas a sociedade ficava, em arenas ou coisas parecidas, para apreciar os criminosos-escravos, lutando até a morte, ou, na era cristã, sentavam-se ao pé do morro, para assistirem as crucificações. Porém, tudo era um enorme espetáculo, divulgado a boca miúda pelo povo em êxtase. “Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo à atividade social efetiva; (...) O espetáculo que inverte o real é produzido de forma que a realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva”.[1]
A invasão da contemplação em nossa época dar-se-á, pelas prisões midiáticas e propagadas por todas as formas e meios, transformando-as em verdadeiros “circos” de horrores, e por trás de todas surge à alienação social. O espetáculo tem a capacidade necessária para causar o torpor, modorrar a coletividade com a exibição da miragem que satisfaz a essência da sociedade e ao fim e ao cabo a sustenta.
O Ministro Marco Aurélio de Mello afirmou que o país “vive tempos muito estranhos”, vou ousar em ir um pouco mais além, se é que tal ousadia me é permitida: A estranheza não reside no tempo, mas como nos comportamos nele.
Tudo, tudo absolutamente tudo é espetáculo, até o simples fato de fazer a barba, pentear o cabelo, o trivial virou cena para milhares de expectadores sedentos por existir no mundo virtual, que sustenta seus egos por uns “likes”, ou cento e vinte caracteres. Eu chamo de espetáculo do trivialismo banal.
E diante deste impulso conservacionista de que é só existo se for visto, daí surge o grande temor da morte de não ser visto. Sim, é o binômio perverso eu existo para o espetáculo e o espetáculo existe para a vida.
A nossa jurisdição penal, entrou pela mesma seara, “o espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes[2]”, e lanço a provocação: Qual o fenômeno aparente? Corrupção; Seria o crime; Ou seria a nossa ausência de valores éticos, depois respondo.
Vamos ao maior espetáculo em cartaz no Brasil, chama-se Operação lava jato, até a presente data temos os seguintes números: busca e apreensão foram 844; prisões preventivas 104; policiais envolvidos 4.220, mais de 47 fases; bens bloqueados ou apreendidos nas operações R$ 2.400.000.000,00, 2 ex-presidentes investigados; 1 condenado. São realmente números espetaculares, e todos ou pelo ao menos em sua maioria com os holofotes de todas as mídias, sejam estas quais foram e por todas as mais diferentes narrativas ideológicas sobre tais números. Com um caráter tautológico os meios também são seus fins. Exibo de maneira massiva os números contra o crime, então o crime é combatido, “recobre toda a superfície do mundo e banha-se na sua própria glória”.
Entramos na era o São Tomé, temos que ver pra crer caso contrário não existe, e assim todos os atores da justiça criminal, lançam-se com a ferocidade de um animal acuado, para expor seus argumentos, perfis, estratégias e versões sobre os mesmos fatos. Em algumas ocasiões utilizando-se de figuras retóricas, silogismos e comentários toscos, mas desde que apareçam e virem trending topics e viralizem com a maior velocidade nas redes sociais. Agora mais do que nunca, o crime passou a ser crime-consumível, que ao nosso olhar é destinado apenas para a manutenção do atraso da vida cotidiana in concreto.
Experienciamos a vivência do não ser visto, e a nossa justiça criminal anda pelos mesmos caminhos, porém sob a sombra da impunidade, ao ponto de ouvirmos deu outro Ministro Gilmar Mendes a frase: “não conceder habeas corpus é covardia.”, e neste mesmo dia, outros Ministros estavam acompanhando as redes sociais, para saberem se, estavam ou não sendo vistos.
Agora vamos tentar responder, Qual o fenômeno aparente? Corrupção; Seria o crime; Ou seria a nossa ausência de valores éticos. Os valores éticos. Sim, perdemos alguns valores éticos e, por conseguinte perdemos a felicidade, diante do excesso de exposição midiática e espetacularizada do crime, das nossas vidas e do nosso ser. Como era bom o tempo da telefonia analógica.
Cezar Souza
Professor/Advogado





[1] DEBORD, Guy, A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, p.16, eBooksBrasil, 2003
[2] Idem, idem.