
Introdução
Problemática controversa e instigante - objeto de inúmeros trabalhos – a Constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, em seus aspectos mais importantes, sob apreciações doutrinárias e jurisprudenciais.
A nossa Carta Política de 1988 veda expressamente em seu Art. 5º, III que, “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”, ainda no Art. 5º no inciso XLVII, alínea ‘e’, “Não haverá penas...”; “cruéis”.
Norteado nestes parâmetros, a analise consiste em validar se o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), esta em conformidade ou em inconformidade com a nossa Constituição.
E quais as justificativas legais, doutrinarias e jurisprudenciais que reforçam a manutenção do regime de exceção prisional no nosso ordenamento jurídico pátrio.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Regime Disciplinar Diferenciado, não é uma construção recente, há bem da verdade, ele existe desde idade média, e já até chegou a ser utilizado no Brasil, sendo chamado à época de “cárcere DURO”, mas em 2003, o Governo Federal, intentou por meio de uma medida provisória, implementar o novo “cárcere duro”, a ser aplicado aos delinqüentes envolvidos com o crime organizado.
Contudo, a nossa Constituição proíbe que tal implementação seja concebida por meio de medida provisória, por conseguinte a mesma foi rejeitada. Art. 62, §1º, I, “b” da CF.
Utilizando-se da via convencional, no ano de 2001, o então Presidente da Republica, Fernando Henrique Cardoso, na tentativa de universalizar o regime disciplinar diferenciado, envia ao Congresso Nacional o projeto de lei n.º5.073 que alterava dispositivos da Lei de Execução Penal e do Código de Processo Penal para, entre outras mudanças, permitir que presos de alta periculosidade que cometessem falta grave cumprissem pena no regime diferenciado a ser aplicado pelo conselho disciplinar. Cumpre observar que a implementação do RDD ganhou ênfase com os assassinatos de dois juízes corregedores da Vara de Execuções: Antônio José Machado Dias, de Presidente Prudente e Alexandre Martins de Castro Filho, do Espírito Santo. No dia 1º de dezembro de 2003, foi aprovada a lei 10.792 que institui o Regime Disciplinar Diferenciado.
A lei 10.792, faz grandes modificações na LEP, e em seu artigo 5º, passa a autorizar os Estados e ao Distrito Federal, a possibilidade de regulamentação do Regime Disciplinar Diferenciado, regime já executado nos Estados de São Paulo (2001) e Rio de Janeiro (2002).
Mas uma vez, o Estado passa a editar Leis, baseando-se em fatos isolados, a saber que a portaria que autorizou o RDD em São Paulo, foi promovida por causa, da organização criminosa conhecida como PCC em 2001, e no Rio de Janeiro em decorrência de outro fato isolado, um motim ocorrido na unidade prisional de Bangu I (2002), institucionaliza-se o RDD naquele estado. No Rio, o argumento era o seguinte: “Afastar líderes violentos e sanguinários, de exacerbada periculosidade, do convívio com os demais presos, que eles subjugam e usam como massa de manobra em suas rebeldias, obrigando-os a fazer rebeliões, motins e, até mesmo, greve de fome (...). Afastar essa liderança de opressores dos demais presos, quase sempre criminosos ocasionais e eventuais, de escassa ou nenhuma periculosidade é, sobretudo, um ato de humanidade”.
O Ministro da Justiça, o Sr. Márcio Thomaz Bastos, ‘‘Admitimos o endurecimento do regime,mas também o conceito de que só deve ir para a prisão quem é perigoso.’’.
Neste ponto, percebemos que existe uma congruência de pensamentos, na esfera Estadual e Federal, em ambos os casos a medida visa proteger a sociedade da influencia malévola do mal-feitor, e que neste caso, estenda-se o conceito de sociedade para a sociedade prisional, haja vista que, o maior prejuízo na ordem jurídica, estava dentro dos próprios presídios. E salvar o sistema prisional brasileiro do caos, que é conhecido como faculdade do crime, e desta feita, afastando, isolando, segregando as influencias perniciosas dos demais apenados, o sistema prisional poderia ser controlado com maior efetividade pelo Estado.
O RDD, surge como uma sansão disciplinar imposta ao que se encontra encarcerado, sendo ele, recolhido em sela individual, por um prazo máximo de 360 dias, com direito de duas horas de sol por dia, e visitas de duas pessoas também de duas horas, duas vezes na semana, artigo 52, I,II,III e IV da LEP.
Esse Regime Disciplinar Diferenciado, tem o seu pressuposto à periculosidade da pessoa que se encontra sob a custódia do Estado, baseando-se apenas em, suspeitas, suposições, afastando-se desta forma o conceito de Direito Penal do Fato e passando a tomar forma do Direito Penal do Autor, onde o agente, é punido pelo que se supõe que ele fez, ferindo os princípios constitucionais da: presunção de inocência e ao da dignidade da pessoa humana.
REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E SUA CONSTITUCIONALIDADE
O RDD, fere princípios fundamentais do cidadão, haja vista o que diz Roberto Delmanto (1998, IBCCRIM,), que afirma o seguinte:
(...) " Inquestionavelmente, a presunção de inocência, como expressão do princípio favor libertatis no processo penal, tem dimensões, hoje, ainda muito maiores do que a já enorme e significativa evolução ocorrida quando se baniram as ordálias e o sistema de prova legal. Atualmente, ela afeta não só o mérito acerca da culpabilidade do acusado, mas, sobretudo, o modo pelo qual ele é tratado durante o processo, como devem ser tuteladas a sua liberdade, integridade física e psíquica, honra e imagem, vedando-se abusos, humilhações desnecessárias, constrangimentos gratuitos e incompatíveis com o seu status, mesmo que presumido, de inocente.
(...)
A presunção de inocência não é incompatível com a realidade, traduzindo-se na maior expressão do princípio favor libertatis no processo penal, restando tuteladas não só a liberdade e a dignidade de todos que se vêem envolvidos em uma persecução penal, mas, também, a própria legitimidade da atuação do Poder Judiciário, resguardando-se, igualmente, a dignidade de seus órgãos e agentes ".
Pedro Marcondes (2003, p. 251):
“O respeito à dignidade da pessoa humana baliza toda política pública, concebendo o preso – antes da condição de criminoso – como pessoa humana, que como tal deve ser tratado. Esse enfoque exige que sejam humanizados os cárceres e dado um sentido positivo ao cumprimento da pena privativa de liberdade. O Estado tem o indeclinável dever de elaborar e executar políticas públicas que diminuam o sofrimento das pessoas condenadas, reduzindo os efeitos criminógenos das prisões e oportunizando os recursos necessários para que, ao obter a liberdade, estejam motivadas e em condições de viver como cidadãos.”
E como forma de consolidar essa política criminal e penitenciária garantista, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) aprovou, em 11 de novembro de 1994, as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil que proíbem toda punição de natureza cruel, desumana ou degradante, como diz o “art. 24. São proibidos, como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer forma de tortura.”
Nesse mesmo contexto, têm-se as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas, para as quais a detenção em cela escura, a redução de alimentação bem como as penas de isolamento configuram a aplicação de uma sanção desumana, cruel e degradante (artigo 31). Assim, diante desse padrão mínimo que qualquer tipo de privação de liberdade deve obedecer, indaga-se se o RDD pode ser considerado uma pena desumana, cruel ou degradante. Será que manter um preso, em cela individual, durante 360 dias ou por até 1/6 da pena realmente ofende as garantias constitucionais referidas? Buscando uma definição do que seria uma pena cruel, Alexandre de Moraes (2005, p. 235) explica que:
(...) dentro da noção de penas cruéis deve estar compreendido o conceito de tortura ou de tratamento desumanos ou degradantes, que são, em seu significado jurídico, noções graduadas de uma mesma escala que, em todos os seus ramos, acarretam padecimentos físicos ou psíquicos ilícitos e infligidos de modo vexatório para quem os sofre.
De uma forma singela, portanto, pode-se afirmar que pena cruel é aquela que provoca sofrimento intenso e humilhação na pessoa, trazendo consigo uma acentuada ofensa à integridade humana. Cumpre observar que não existe legislação complementar que forneça o conceito preciso de tratamento desumano, cruel ou degradante. No entanto, como salientado pelo ex-Relator especial das Nações Unidas para a Tortura, Sir Nigel Rodley, o uso do conceito de tortura fornecido pela Convenção Interamericana para Prevenir e Punir Tortura pode ser pensada como abarcadora da maioria de atos que noutros lugares poderiam ser tratados como tratamentos cruéis proibidos (“prohibited ill-treatment”) que não chegam a ser tortura. Assim, em face da ausência de uma definição precisa de tratamento desumano, cruel ou degradante, utiliza-se o conceito de tortura, uma vez que o mesmo permite afirmar “que, sendo esta um ato extremo, aqueles seriam uma versão mitigada daquela, dada a sua menor intensidade”.
3 comentários:
Não sei se me permite tecer alguns breves comentários sobre o que você escreveu acerca do regime disciplinar diferenciado, mas, de todo modo, vou fazê-los. Creio que, mais uma vez, foi elaborada uma lei com o objetivo premente de dar uma satisfação à sociedade. Nada mais justo do que punir de fato os transgressores, especialmente os que já estão inseridos num contexto de violência e criminalidade. Entretanto, o que me preocupa é nosso sistema carcerário, que, infelizmente, não é dos melhores. Aliás, está muito longe de sê-lo. O nosso sistema não está preparado para aplicar o regime disciplinar diferenciado.
O Brasil deve tratar o criminoso como inimigo. Não dá para ser diferente. Só para se ter uma ideia, o crime organizado é tão organizado que a organização dos órgãos governamentais não é tão eficiente quanto o crime. O crime organizado consegue transpor as barreiras do sistema penitenciário, do governo, da nossa sociedade. Nossa legislação oferece muita brecha para quem não presta. Enquanto que a sociedade fica em casa reclusa, esperando mais uma lei que, surgida no momento certo, vem tentar calar a boca da população.
Concordo que a lei do RDD foi uma medida casuística, eleitoreira que procura ocultar os verdadeiros "BANDIDOS". A formação de quadrilha, que existe nos morros cariocas, na zona leste paulistana, no sertão pernambucano, são apenas meros "peões", dos verdadeiros chefes de quadrilhas são os déspotas detentores do poder, nas casas legislativas estaduais, em Brasilia. Políticos em todas as esferas, funcionários de alto escalão, entre outros, A IMPUNIDADE MATA MAIS QUE AS DROGAS. O sistema prisional brasileiro, dá errado pois essa é a sua função. Dar errado. É o sentimento do homem médio, de que o criminoso, tem que sofrer,e enquanto o detento sofre, esse mesmo homem médio se esquece de que quem, é o verdadeiro criminoso esta fora da prisão. A parte positivada da LEP é uma legislação quase perfeita, mas sua parte executiva é uma excrescência para o Brasil.
Só não concordo quando da afirmação de tratar o criminoso como inimigo (Günther Jakobs), já que é, uma via que leva a critérios arbritários de deshumanização do sujeito. O criminoso (sujeito) é um reflexo de uma sociedade corrupta,fálida e capenga que bestializa o criminoso e aliena o médio.
Tudo bem, Cezar. Pode ser até um tanto radical se tratar o criminoso como um bandido. Tampouco sou adepta de discursos de que se deve melhorar a escola, a educação de base. Acho que restaurar é a solução. Você tem argumentos muito fortes e contundentes para a sua tese, que está sendo muito bem defendida. O meu objetivo é provocar o debate e levá-lo à reflexão.
Parabéns.
Postar um comentário