16 de nov. de 2010

O RDD e sua Constitucionalidade - Parte II * Continuação *


A jurisprudência no STJ orienta que, a simples condição do apenado (provisório ou não), o fato do delinqüente ser pertencente a organização criminosa ou da qualidade do delito por ele cometido, não é requisito per si, para a inclusão no RDD.

RECURSO ESPECIAL Nº 662.637 - MT (2004/0070068-1) - O EXMO. SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, com fulcro no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra o v. acórdão proferido pela C. Terceira Turma do Tribunal Federal da 1ª Região que, à unanimidade, concedeu a ordem impetrada para desconstituir a decisão que determinou a inclusão do paciente no Regime Disciplinar Diferenciado, estando assim ementado (fl. 94):

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES PRATICADOS POR ORGANIZAÇAO CRIMINOSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INCLUSAO DO CONDENADO NO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. FALTA GRAVE NAO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE REGISTRO QUE DESABONE A CONDUTA CARCERÁRIA DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.

1) Nos termos do artigo 52, parágrafo 2º, da Lei nº 7.210/84, com a redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, "Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando"(Cf. art. cit.).

2) Contudo, as fundadas suspeitas de envolvimento do paciente em organização criminosa, que serviu como fundamento do ato judicial ora impugnado, tendo em vista sua condenação nos autos da Ação Penal nº 2003.36.00.015427-1, como incurso nas penas do artigo 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86; do artigo 1º, inciso VI, parágrafo 4º, da Lei nº 9.613/98; e dos artigos 61, inciso II, letra b, 62, inciso II, e 69 do Código Penal, deve ter origem em atos praticados pelo detento (condenado ou internado) dentro do estabelecimento prisional, eis que o aludido Regime Disciplinar Diferenciado - RDD tem por única finalidade resguardar a ordem e a segurança do estabelecimento penal, embora, por óbvio, tenha reflexo direto na sociedade, contra a ação delituosa de presidiários.

3) o fato de o detento, como na hipótese em exame, ter integrado organização criminosa, para praticar determinados delitos, que lhe renderam condenação, por si só, não autoriza sua inclusão do aludido regime diferenciado, que é pena por infração disciplinar carcerária.[...]


BIS IN IDEM NO RDD

Esta previsto que, aquele que esta “supostamente” envolvido com quadrilha ou bando, ou melhor organização criminosa vai incorrer nas penas do artigo 288 do código penal e na Lei 9.034/05 (Lei do Crime Organizado), quando esse individuo for detido e mesmo que preventivamente se encontrar recolhido em unidade prisional, ele vai a critério do diretor da unidade com vistas ao ministério publico, a sansão administrativa do RDD, sob a alegação de que sua persona é uma influência perniciosa ao sistema prisional.

Este individuo vai estar sendo, punido duas vezes pelo mesmo delito, mas fica “mascarado” o bis in idem, por considerar que a uma punição na esfera penal e outra na esfera administrativa.

Ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo crime, desde que seja na mesma esfera, no que muda o ramo do direito e sua aplicabilidade, torna-se possível à aplicação da sansão em modo bis in idem.

BIS IN IDEM no RDD é pautado no que os teóricos chamam de Direito Penal do Autor, o RDD vai punir pela simples presunção de atitude ou de suspeitas de cunho personalíssimas do apenado, a conduta social do agente, não pode ser substituída pela vontade do autor em ato delitivo ou mesmo com os seus antecedentes delitivos. Os atos preparatórios de constituição de associação criminosa não ultrapassem a esfera privada dos sujeitos nela envolvidos, é inegável que são perturbadores independentemente de outra consideração (per se). Vale dizer: é perturbador sem mais o fato de pessoas se reunirem com o propósito de cometer delitos, o que legitima o poder punitivo se adiantar e criminalizar a conduta a fim de se evitar conseqüências lamentáveis.


CONCLUSÃO

O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO é uma postura tomada pelo Estado, com o apelo político de aplacar o clamor social e da mídia, com a finalidade de demonstrar que passou a ter de volta o controle, da comunidade carcerária brasileira, criando e delegando aos Estados Membros a criação de unidades prisionais ou mesmo espaços dentro das unidades já existentes, com o argumento de que, a personalidade delitiva habitual que pode de alguma forma, influenciar a população carcerária, deve ser submetida ao RDD.

Mesmo que para tal, princípios consagrados na nossa Carta Política sejam violados, permitindo-se até o disparate do bis in idem. A lei que regulamentou o RDD nacionalmente, é materialmente válida, contudo

ela deve ser ponderada, a luz da nossa Constituição e dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, para que possa fornecer a devida segurança jurídica a todos, como diz o nosso ordenamento jurídico.

Não adianta recrudescer o sistema prisional, não adianta a enxurrada de novas legislações penais e/ou na
execução pena
l, o que realmente adianta é, fazer com que as políticas criminais, sejam realmente
implementadas.

O Brasil possui uma avançadíssima legislação penal, contudo na sua parte executiva é que ainda falta a REAL vontade de que o sistema funcione. Os remédios paliativos, não estão surtindo o efeito, e o doente (sistema prisional brasileiro) esta indo para o tratamento intensivo, necessitando de um “choque” de gestão para que deixe de ser uma “fabrica de fazer monstro e louco...”, vide Fernandinho Beira-Mar.


O RDD e sua Constitucionalidade - Parte I




Introdução

Problemática controversa e instigante - objeto de inúmeros trabalhos – a Constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, em seus aspectos mais importantes, sob apreciações doutrinárias e jurisprudenciais.

A nossa Carta Política de 1988 veda expressamente em seu Art. 5º, III que, “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;”, ainda no Art. 5º no inciso XLVII, alínea ‘e’, “Não haverá penas...”; “cruéis”.

Norteado nestes parâmetros, a analise consiste em validar se o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), esta em conformidade ou em inconformidade com a nossa Constituição.

E quais as justificativas legais, doutrinarias e jurisprudenciais que reforçam a manutenção do regime de exceção prisional no nosso ordenamento jurídico pátrio.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Regime Disciplinar Diferenciado, não é uma construção recente, há bem da verdade, ele existe desde idade média, e já até chegou a ser utilizado no Brasil, sendo chamado à época de “cárcere DURO”, mas em 2003, o Governo Federal, intentou por meio de uma medida provisória, implementar o novo “cárcere duro”, a ser aplicado aos delinqüentes envolvidos com o crime organizado.

Contudo, a nossa Constituição proíbe que tal implementação seja concebida por meio de medida provisória, por conseguinte a mesma foi rejeitada. Art. 62, §1º, I, “b” da CF.

Utilizando-se da via convencional, no ano de 2001, o então Presidente da Republica, Fernando Henrique Cardoso, na tentativa de universalizar o regime disciplinar diferenciado, envia ao Congresso Nacional o projeto de lei n.º5.073 que alterava dispositivos da Lei de Execução Penal e do Código de Processo Penal para, entre outras mudanças, permitir que presos de alta periculosidade que cometessem falta grave cumprissem pena no regime diferenciado a ser aplicado pelo conselho disciplinar. Cumpre observar que a implementação do RDD ganhou ênfase com os assassinatos de dois juízes corregedores da Vara de Execuções: Antônio José Machado Dias, de Presidente Prudente e Alexandre Martins de Castro Filho, do Espírito Santo. No dia 1º de dezembro de 2003, foi aprovada a lei 10.792 que institui o Regime Disciplinar Diferenciado.

A lei 10.792, faz grandes modificações na LEP, e em seu artigo 5º, passa a autorizar os Estados e ao Distrito Federal, a possibilidade de regulamentação do Regime Disciplinar Diferenciado, regime já executado nos Estados de São Paulo (2001) e Rio de Janeiro (2002).

Mas uma vez, o Estado passa a editar Leis, baseando-se em fatos isolados, a saber que a portaria que autorizou o RDD em São Paulo, foi promovida por causa, da organização criminosa conhecida como PCC em 2001, e no Rio de Janeiro em decorrência de outro fato isolado, um motim ocorrido na unidade prisional de Bangu I (2002), institucionaliza-se o RDD naquele estado. No Rio, o argumento era o seguinte: “Afastar líderes violentos e sanguinários, de exacerbada periculosidade, do convívio com os demais presos, que eles subjugam e usam como massa de manobra em suas rebeldias, obrigando-os a fazer rebeliões, motins e, até mesmo, greve de fome (...). Afastar essa liderança de opressores dos demais presos, quase sempre criminosos ocasionais e eventuais, de escassa ou nenhuma periculosidade é, sobretudo, um ato de humanidade”.

O Ministro da Justiça, o Sr. Márcio Thomaz Bastos, ‘‘Admitimos o endurecimento do regime,mas também o conceito de que só deve ir para a prisão quem é perigoso.’’.

Neste ponto, percebemos que existe uma congruência de pensamentos, na esfera Estadual e Federal, em ambos os casos a medida visa proteger a sociedade da influencia malévola do mal-feitor, e que neste caso, estenda-se o conceito de sociedade para a sociedade prisional, haja vista que, o maior prejuízo na ordem jurídica, estava dentro dos próprios presídios. E salvar o sistema prisional brasileiro do caos, que é conhecido como faculdade do crime, e desta feita, afastando, isolando, segregando as influencias perniciosas dos demais apenados, o sistema prisional poderia ser controlado com maior efetividade pelo Estado.

O RDD, surge como uma sansão disciplinar imposta ao que se encontra encarcerado, sendo ele, recolhido em sela individual, por um prazo máximo de 360 dias, com direito de duas horas de sol por dia, e visitas de duas pessoas também de duas horas, duas vezes na semana, artigo 52, I,II,III e IV da LEP.

Esse Regime Disciplinar Diferenciado, tem o seu pressuposto à periculosidade da pessoa que se encontra sob a custódia do Estado, baseando-se apenas em, suspeitas, suposições, afastando-se desta forma o conceito de Direito Penal do Fato e passando a tomar forma do Direito Penal do Autor, onde o agente, é punido pelo que se supõe que ele fez, ferindo os princípios constitucionais da: presunção de inocência e ao da dignidade da pessoa humana.


REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E SUA CONSTITUCIONALIDADE

O RDD, fere princípios fundamentais do cidadão, haja vista o que diz Roberto Delmanto (1998, IBCCRIM,), que afirma o seguinte:

(...) " Inquestionavelmente, a presunção de inocência, como expressão do princípio favor libertatis no processo penal, tem dimensões, hoje, ainda muito maiores do que a já enorme e significativa evolução ocorrida quando se baniram as ordálias e o sistema de prova legal. Atualmente, ela afeta não só o mérito acerca da culpabilidade do acusado, mas, sobretudo, o modo pelo qual ele é tratado durante o processo, como devem ser tuteladas a sua liberdade, integridade física e psíquica, honra e imagem, vedando-se abusos, humilhações desnecessárias, constrangimentos gratuitos e incompatíveis com o seu status, mesmo que presumido, de inocente.

(...)

A presunção de inocência não é incompatível com a realidade, traduzindo-se na maior expressão do princípio favor libertatis no processo penal, restando tuteladas não só a liberdade e a dignidade de todos que se vêem envolvidos em uma persecução penal, mas, também, a própria legitimidade da atuação do Poder Judiciário, resguardando-se, igualmente, a dignidade de seus órgãos e agentes ".

Pedro Marcondes (2003, p. 251):

“O respeito à dignidade da pessoa humana baliza toda política pública, concebendo o preso – antes da condição de criminoso – como pessoa humana, que como tal deve ser tratado. Esse enfoque exige que sejam humanizados os cárceres e dado um sentido positivo ao cumprimento da pena privativa de liberdade. O Estado tem o indeclinável dever de elaborar e executar políticas públicas que diminuam o sofrimento das pessoas condenadas, reduzindo os efeitos criminógenos das prisões e oportunizando os recursos necessários para que, ao obter a liberdade, estejam motivadas e em condições de viver como cidadãos.”

E como forma de consolidar essa política criminal e penitenciária garantista, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) aprovou, em 11 de novembro de 1994, as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil que proíbem toda punição de natureza cruel, desumana ou degradante, como diz o “art. 24. São proibidos, como sanções disciplinares, os castigos corporais, clausura em cela escura, sanções coletivas, bem como toda punição cruel, desumana, degradante e qualquer forma de tortura.”

Nesse mesmo contexto, têm-se as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da Organização das Nações Unidas, para as quais a detenção em cela escura, a redução de alimentação bem como as penas de isolamento configuram a aplicação de uma sanção desumana, cruel e degradante (artigo 31). Assim, diante desse padrão mínimo que qualquer tipo de privação de liberdade deve obedecer, indaga-se se o RDD pode ser considerado uma pena desumana, cruel ou degradante. Será que manter um preso, em cela individual, durante 360 dias ou por até 1/6 da pena realmente ofende as garantias constitucionais referidas? Buscando uma definição do que seria uma pena cruel, Alexandre de Moraes (2005, p. 235) explica que:

(...) dentro da noção de penas cruéis deve estar compreendido o conceito de tortura ou de tratamento desumanos ou degradantes, que são, em seu significado jurídico, noções graduadas de uma mesma escala que, em todos os seus ramos, acarretam padecimentos físicos ou psíquicos ilícitos e infligidos de modo vexatório para quem os sofre.

De uma forma singela, portanto, pode-se afirmar que pena cruel é aquela que provoca sofrimento intenso e humilhação na pessoa, trazendo consigo uma acentuada ofensa à integridade humana. Cumpre observar que não existe legislação complementar que forneça o conceito preciso de tratamento desumano, cruel ou degradante. No entanto, como salientado pelo ex-Relator especial das Nações Unidas para a Tortura, Sir Nigel Rodley, o uso do conceito de tortura fornecido pela Convenção Interamericana para Prevenir e Punir Tortura pode ser pensada como abarcadora da maioria de atos que noutros lugares poderiam ser tratados como tratamentos cruéis proibidos (“prohibited ill-treatment”) que não chegam a ser tortura. Assim, em face da ausência de uma definição precisa de tratamento desumano, cruel ou degradante, utiliza-se o conceito de tortura, uma vez que o mesmo permite afirmar “que, sendo esta um ato extremo, aqueles seriam uma versão mitigada daquela, dada a sua menor intensidade”.