
A noção de livre arbítrio está desassociada da de responsabilidade. Se o homem não fosse livre para atuar, seria apenas uma máquina cega; os criminosos e os viciados não seriam então responsáveis por seus atos, que poderiam atribuir aos seus « genes ». Essa crença de que todos os nossos pensamentos e todos os nossos atos são inteiramente determinados pelas leis da matéria, e que a impressão que temos de ser livres é ilusória, é chamada de determinismo. É a negação de toda responsabilidade e de toda moralidade.
A questão do livre arbítrio é esclarecida pela doutrina dos renascimentos sucessivos e evolução do ser: nas camadas inferiores da criação, o ser ainda se ignora; apenas o instinto e a necessidade o conduzem, e é apenas nos tipos mais evoluídos que aparecem, como uma alva veste pálida, os primeiros rudimentos de faculdades. Na humanidade, a alma está enriquecida pela liberdade moral. Seu julgamento, sua consciência se desenvolve mais e mais, à medida que percorre sua imensa carreira. Colocada entre o bem e o mal, compara e escolhe livremente. Esclarecida por suas decepções e seus males, é no seio das provas que sua experiência se forma, que sua força moral se tempera.
A questão do livre arbítrio pode se resumir assim: O homem não é, de forma alguma, conduzido fatalmente ao mal; os atos que perfaz não estão escritos antecipadamente; os crimes que comete não são de nenhuma maneira, o cometimento de uma sentença do destino. Ele pode como prova e como expiação, escolher uma existência onde terá as tentações do crime, seja pelo meio onde se encontra colocado, seja pelas circunstâncias que sobrevêm, mas ele é sempre livre de agir ou de não agir. Assim o livre arbítrio existe, no estado espiritual, na escolha da existência e das provas, e, no estado corporal, na faculdade de ceder ou de resistir aos arrastamentos aos quais voluntariamente nos submetemos.
Sem o livre arbítrio o homem não tem nem culpa no mal, nem mérito no bem; e isso é a tal ponto reconhecido que, no mundo, a reprovação ou o elogio são sempre proporcionais à intenção, isto é à vontade; ora, quem diz vontade diz liberdade. O homem não poderia então procurar uma desculpa de suas faltas na sua organização, sem abdicar de sua razão e de sua condição de ser humano, e assim se assemelhar aos brutos. Se ele assim agisse para o mal, agiria do mesmo modo para o bem; mas quando o homem faz o bem, tem um grande sentimento de estar fazendo algo meritório, e não se preocupa de gratificar seus órgãos, o que prova que, malgrado a opinião de alguns sistemáticos, ele não renuncia, instintivamente, ao mais belo privilégio de sua espécie: a liberdade de pensar.
A fatalidade, tal como se entende vulgarmente, supõe a decisão prévia e irrevogável de todos os eventos da vida, qualquer que seja sua importância. Se tal fosse a ordem das coisas, o homem seria uma máquina sem vontade. Para que lhe serviria sua inteligência, uma vez que em todos os seus atos seria dominado pelo poder do destino? Não haveria mais para o homem a responsabilidade, e por conseqüência nem o bem, nem o mal, nem crimes, nem virtudes. Deus, soberanamente justo, não poderia punir sua criatura pelas faltas que não dependeria dele não cometer, nem o recompensar pelas virtudes das quais não teria o mérito. Semelhante lei seria a negação da lei do progresso, porque o homem que esperasse tudo da sorte nada faria para melhorar sua posição, uma vez que, em o fazendo, nada ganharia.
A fatalidade, portanto não é uma palavra vã; ela existe na posição que o homem ocupa sobre a terra e nas funções que cumpre, e, por conseguinte, no gênero de existência que seu Espírito de fato escolheu como prova, expiação ou missão; ele sofre fatalmente todas as vicissitudes desta existência, e todas as tendências boas ou más que lhe são inerentes; mas aí termina a fatalidade, porque depende de sua vontade ceder ou não a essas tendências. Os detalhes dos eventos estão subordinados às circunstâncias que ele mesmo provoca por seus atos.
A fatalidade está então nos eventos que se apresentam, já que é conseqüência da escolha de existência feita pela ALMA; ela pode não estar no resultado desses eventos, uma vez que pode depender do homem lhes modificar o curso por sua prudência; ela jamais está nos atos da vida moral.